São Paulo (AUN - USP) - A ausência de métodos eficientes para se cultivar Plasmodium vivax em laboratório tem dificultado o aprofundamento dos estudos e o desenvolvimento de testes de potenciais vacinas contra a malária. Este é apenas um dos obstáculos enfrentados por Irene da Silva Soares, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, em sua pesquisa por uma vacina capaz de combater o estágio eritrocítico (sanguíneo) de um dentre os quatro principais tipos da doença, provocado pelo protozoário.
A pesquisadora explica que, diferente do Plasmodium falciparum – parasita causador da variedade mais grave de malária humana –, que infecta hemácias de qualquer idade, o Plasmodium vivax invade somente hemácias jovens, denominadas reticulócitos. De modo geral, estes correspondem a apenas 1% das células sangüíneas. Em virtude disso, diversas tentativas de cultivo do parasita apresentaram-se improdutivas. Exceção feita a pequenos êxitos obtidos, por pesquisadores estrangeiros, em culturas de curto prazo com sangue de cordão umbilical humano ou com sangue de indivíduos que apresentam “uma anomalia em que os reticulócitos sobem de 1% para 5%”.
Além disso, Irene Soares, que desenvolve sua pesquisa – financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – no Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, afirma que “o problema com a malária vivax é [também] a falta de um modelo experimental: se você infectar o macaco com Plasmodium vivax, ele não vai ser infectado, ele não é o hospedeiro natural do protozoário”. Diante disso, a pesquisadora observa: “então, temos testado a imunogenicidade [capacidade de uma substância em ativar o sistema de defesa do organismo], a toxicidade, se a vacina é segura em macacos, mas a gente tem esbarrado em estudar a proteção, se essa vacina protege”. E confessa: “sinto que, em algum momento, teremos de passar por cima disso e testar direto no homem”.
Tomando os resultados obtidos em pesquisas com Plasmodium falciparum como ponto de partida para desenvolver seus trabalhos, Irene Soares acredita que a publicação do genoma do Plasmodium vivax, no ano passado, represente uma saída às presentes limitações. Segundo a pesquisadora, o estudo traz novas perspectivas na elucidação dos mecanismos por trás de características desta espécie, como o estágio de latência assumido por ela no fígado – denominado hipnozoíto e responsável pelas típicas recaídas da malária causada por este parasita. Isto, conseqüentemente, possibilitaria a utilização de métodos alternativos no desenvolvimento de uma vacina. A pesquisadora espera ainda, com o genoma, “esclarecer muitas das diferenças biológicas entre essas duas espécies – por que [diferente do Plasmodium falciparum] o Plasmodium vivax fica latente [no fígado]? Por que ele invade apenas reticulócitos? –, as quais podem ter implicações do ponto de vista de desenvolvimento de uma vacina”.
Para o início dos testes no homem, Irene Soares, que também pertence ao grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCTV) – vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, afirma ser necessário produzir as vacinas em uma escala maior e dentro das boas práticas de fabricação, “o que envolveria parcerias, visto que não dispomos, aqui, da estrutura necessária para isso”: “esperamos, dentro dessa rede, no INCTV, estabelecer parcerias com algumas instituições: poderia ser o Instituto Butantan, a própria Fio Cruz ou, mesmo, empresas privadas que já produzem isso em condições apropriadas”.