São Paulo (AUN - USP) - Quando raios catódicos e gases venenosos ainda habitavam a Terra em larga escala, um composto orgânico foi fundamental para o início da vida: o aminoácido. O conjunto desses compostos acaba por formar uma proteína, igualmente necessária para a existência da vida. O ser humano possui milhares delas, responsáveis pelas mais variadas funções — de produção de energia à digestão alimentar —, e a fábrica protéica do corpo é a célula, cujo operário, no caso, é o RNA (do inglês, ácido ribonucléico). Mas, e quando o RNA resolve não trabalhar na produção de proteínas? Seu nome passa a ser ncRNA, o RNA não-codificante. Essa cadeia de aminoácidos celulares tem intrigados cientistas de todo o mundo e, no Brasil, o grupo do Laboratório de Expressão Gênica em Eucariotos da USP vem desenvolvendo pesquisas relevantes na área.
Coordenado pelo professor Sergio Verjovski-Almeida, o grupo está localizado no Instituto de Química (IQ) da USP, embora o trabalho seja voltado para a área de biologia — bioquímica celular, mais especificamente. Pesquisas semelhantes ocorrem em outros centros, como o Peter Stadler (Alemanha), o John Mattick (Austrália) e o John Rinn (EUA). Sob o título “Identificação de marcadores moleculares para diagnóstico e prognóstico em câncer utilizando microarrays de DNA” cientistas como Ângela Fachel estudam desde 2004 os ncRNAs. Subdividida em duas frentes, a pesquisa baseia-se na caracterização funcional dos RNAs e na identificação de novos ncRNAs e expressão gênica. Os exemplares usados em laboratório são oriundos de tecidos cancerígenos. Assim, além de elucidar alguns dos mecanismos dos ácidos ribonucléicos, há possibilidades terapêuticas, segundo Ângela.
A relação entre ncRNAs e tumores pôde ser observada nas amostras analisadas pela equipe da qual Ângela faz parte. Em células desses tumores, a modulação da expressão desses RNAs, isto é, a quantidade e tipos por célula, varia segundo as manifestações do câncer. Desta maneira, o aumento ou diminuição dos “não-codificantes” pode estar diretamente ligado ao câncer como causa ou conseqüência. Em ambos os casos, afirma a cientista, “o controle da regulação destas moléculas (os ncRNAs) pode ser interessante para o tratamento da doença.” Todavia, as aplicações terapêuticas desta pesquisa devem demorar. “Ainda é muito cedo para prevermos quando estas descobertas terão uma aplicação médica”, conclui.
O trabalho no Laboratório de Expressão Gênica em Eucariotos ainda tem outros passos. O intuito é descobrir o que faz uma série de ncRNAs previamente escolhidos pelo grupo de cientistas. Segundo Ângela, “isto significa modular artificialmente estas moléculas de forma controlada e observar as mudanças celulares que ocorrem”. O estudo ainda será expandido para outros hospitais de São Paulo, cujas amostras tumorais embasariam ainda mais os resultados obtidos. A pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e ocorre pelo menos até 2012.