São Paulo (AUN - USP) - A sociedade desigual e polarizadora do século 21 só pode se reproduzir se naturalizar a idéia de que alguns indivíduos podem morrer e o racismo funciona, portanto, como um elemento legitimador da morte dessas pessoas que vivem uma vida que não vale a pena ser vivida. Essa é a tese do professor Muryatã Barbosa, doutorando do Departamento de História da USP. O professor parte da argumentação do filósofo francês Michel Foucault de que o racismo existe enquanto poder, em uma relação intrínseca com a existência do Estado capitalista.
De acordo com Barbosa, que discursou para a platéia no Seminário de História da África e Diáspora Africana do Departamento de História da USP, a relação entre racismo e poder possui duas características fundamentais. A primeira é o fato de o racismo ser um fenômeno social, baseado numa profunda capacidade de introjeção psicológica nos indivíduos. “Se faz crer que o racismo é uma prática natural, que está no nível do subconsciente”, afirma o professor. E a força do racismo, de acordo com Barbosa, vem da visão concreta da diferença objetiva, das formas de estereotipação dos indivíduos.
A segunda característica é a legitimação da exploração da força de trabalho resultante de práticas racistas. “Talvez essa seja a explicação mais crível da origem do racismo”, ressalta Barbosa. O racismo funda-se na dominação da vida do outro, em um poder associado ao que o professor denomina uma espécie de draculismo. “Draculismo porque permite que o indivíduo que domina o outro viva da vida do dominado”, diz Barbosa.
Desinformação
Na opinião do professor, há ainda uma grande desinformação sobre questões básicas das relações étnico-raciais e cabe aos intelectuais anti-racistas criar caminhos e inovações que propiciem o esclarecimento dessas questões. Primeiramente, é preciso admitir que o racismo existe e é um problema atual do mundo e da sociedade brasileira.
“Finda a escravidão, o racismo ainda existe e, ao contrário do que se pensava, não houve uma diluição, ou seja, a lógica do racismo está engendrada na sociedade brasileira”, afirmou Barbosa. Há vários tipos de racismo e o professor aponta a necessidade de se discutir o modelo de racismo brasileiro com maior clareza.
Ao contrário de países como África do Sul e Estados Unidos, aonde houve um política de segregação dos negros, o racismo brasileiro está baseado no princípio da miscigenação da população. Barbosa aponta a cultura do embranquecimento da população, conhecido no século 19 como darwinismo social, em que a mão de obra negra alforriada foi substituída por imigrantes brancos, em sua maioria de origem européia.
O professor chama atenção também ao fato de que o racismo é uma questão coletiva, um problema de toda a sociedade brasileira que impossibilita seu desenvolvimento. Barbosa declarou também seu posicionamento favorável às políticas afirmativas, que, na sua opinião, não podem ser substituídas por políticas de redistribuição de renda apenas.