São Paulo (AUN - USP) - Enquanto a tendência mundial é diminuir o número de cesáreas, o país se mantém no topo da lista em quantidade de cirurgias, a maior parte realizada sem necessidade. O custo, o risco de infecções e a probabilidade de complicações são maiores que no parto normal, mas o lucro e a comodidade dos convênios de saúde e dos médicos é maior.
A solução seria fomentar discussão científica nas universidades, estimular o debate ético na mídia e o enfrentamento do sistema privado pelo Ministério da Saúde, como propõe Gabriel Alberto Brasil Ventura, pediatra neonatologista da USP. O médico recebeu o prêmio “Abramge de Medicina e Jornalismo” da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) pelo bem-sucedido projeto de redução de cesáreas no Hospital Universitário da USP (HU). Discutindo em equipe a necessidade do parto cirúrgico, a iniciativa conseguiu reduzi-lo de 31% para 28% em um ano.
Mesmo antes do programa de redução, o HU figurava entre as instituições com menor taxa de cesáreas no país. Isso ocorre porque nos hospitais universitários as decisões estão mais sujeitas a discussões coletivas. Em seguida, vêm os hospitais públicos, com taxas em torno de 40%, pressionados pela política de contenção de cesáreas do Ministério da Saúde, que não repassa verbas para um número de partos cirúrgicos superior a 50%. O grande vilão das estatísticas, segundo Gabriel Ventura, é o setor privado, que ostenta taxas de até 95% de cesáreas em alguns hospitais.
Quando a mãe já sofreu três ou mais cesáreas, ou se há risco no trabalho de parto para ela ou para o bebê, a cesárea é imprescindível. A margem de cirurgias dispensáveis, no entanto, não está entre os casos de risco em que há consenso quanto à sua inevitabilidade, mas na análise de indicadores mais sutis, que dependem da eficiência da avaliação e do julgamento do médico. Aí se encaixam as disfunções como falta de dilatação, desproporção entre a vagina da mãe e a cabeça do bebê e contrações insuficientes, que dependem muito do andamento do trabalho de parto, e que, como explica o pediatra, poderiam se ajustar se a equipe esperasse mais para retirar o bebê. “Além disso, a única prova de que a anomalia existiu é a palavra do profissional, já que após o nascimento não há como verificar as circunstâncias do parto”, acrescenta.
Uma situação denominada Sofrimento Fetal Agudo (SFA), constitui uma das indicações da real necessidade de se fazer uma cesárea. O SFA expressa mal estar do bebê por razões que vão de infecção a falta de oxigênio, é o indício de que a criança está em pânico e pode não suportar o parto. A averiguação desse estado é feita através da medição do batimento cardíaco do feto, da intensidade de contrações uterinas da mãe, e da liberação do mecônio (material fecal) antes mesmo do bebê sair do útero materno. No entanto, Gabriel afirma que muitas vezes a equipe médica encara a presença de apenas um dos sinais como empecilho ao parto natural, enquanto na realidade eles não são dados tão precisos, e deveriam ser confrontados entre si.
A principal queixa do ganhador do prêmio Abramge é a não intervenção do Ministério da Saúde na esfera privada. Realizar o parto com dia e hora marcada é proveitoso para médicos, convênios de saúde e hospitais, uma vez que o profissional pode passar o dia em seu consultório e programar todos os partos para um determinado período de tempo; os convênios podem pagar menos pelo centro cirúrgico, alugando-o num único dia da semana em que utiliza toda sua capacidade operacional; e os hospitais conseguem fechar contratos com mais planos de saúde. E , como frisa Gabriel Ventura, não é interessante para o Ministério da Saúde entrar em conflito com a rede privada e com o poderoso lobby dos médicos no Congresso.
Em hospitais particulares, a sentença pessoal do médico tem mais força, sob a justificativa de que ele é o responsável pelas conseqüências, e portanto cabe a ele a adotar um procedimento. Ele não é obrigado a dar satisfações, nem o hospital é cobrado por diretrizes governamentais. Outro fator de peso nessas instituições são os anseios da mãe, que geralmente temem a dor e possíveis conseqüências físicas. Quanto à dor, o pediatra esclarece, existe anestesia para ser aplicada no momento no parto. Sobre mutilações nas genitálias, ele reconhece que não são lendas, mas que só ocorrem quando a gravidez não foi seguida de um bom pré-natal e o parto não foi bem assistido. A recuperação do parto natural é mais rápida e não incorre nos riscos de uma cirurgia, mas leva mais tempo para acontecer, não pode ser planejado e exige acompanhamento competente.
Nos Estados Unidos, cujo sistema de saúde inspirou o modelo tupiniquim, o quadro é justamente o inverso do brasileiro. Com uma média nacional que não ultrapassa os 25%, o predomínio de cesarianas está entre os mais pobres, pelo mau acompanhamento pré-natal de que dispõem. As mães com melhor condição financeira têm respaldo para fazer um parto normal bem sucedido.
Apesar de todas as vantagens de se optar por um parto normal, após estar bem informada e devidamente assistida, a escolha deve partir da mãe. “Se a mulher tiver a convicção de que a cesária é melhor, então é melhor realizar a cesárea.”, pondera Gabriel, “E o mesmo com relação ao parto normal. Se ela idealizou uma concepção de nascimento, isso precisa ser respeitado. O difícil hoje é saber até que ponto essa decisão é tomada conscientemente pela mulher, ou determinada por outros interesses que não o bem estar da mãe e do bebê”.