São Paulo (AUN - USP) - A 6ª edição revista e ampliada de “Clarice – uma vida que se conta”, biografia de Clarice Lispector, foi lançada em evento na Casa de Cultura Japonesa. A autora, Nádia Battella Gotlib, livre-docente em Literatura Brasileira pela USP, busca iluminar o trabalho da escritora a partir de passagens de sua vida registradas em cartas, depoimentos e trechos de obras.
Autora também de “Clarice – fotobiografia” e “A literatura feita por mulheres no Brasil”, Nádia começou a ministrar cursos de pós-graduação sobre a obra de Clarice nos anos 80. O início de uma pesquisa biográfica mais aprofundada veio justamente no contato com os alunos, a partir de uma inquietação por tentar entender e compartilhar o que a escritora queria transmitir ao leitor nas entrelinhas de seus textos. O livro, composto com base neste diálogo, foi apresentado como tese de Livre Docência defendida em 1993, antes de ter sua primeira edição publicada em 1995.
A pesquisa de Nádia incluiu viagens a locais onde Clarice morou, como Recife e Rio de Janeiro, num esforço por contextualizar textos, fotografias e documentos. A autora declara ter respeitado muito as falas dos entrevistados, transcrevendo diversos depoimentos de forma integral. A nova edição inclui notas de rodapé e dados atualizados a partir de novos documentos aos quais ela teve acesso.
Segundo Yudith Rosenbaum, professora de Literatura Brasileira da USP que também participou do evento, “Clarice – uma vida que se conta” é um marco nos estudos sobre a escritora. O livro faz uma leitura ensaística a partir do que Yudith chama de “via dupla”, isto é, uma crítica acompanhada de uma contextualização da obra através de dados biográficos. “O livro mostra como Clarice se ficcionaliza, tornando-se ela própria uma personagem à procura de um autor ou de um texto onde pudesse se encontrar”, explica ela. “Às vezes temos a impressão de que a obra se fez antes da vida e esta se construiu a partir daquela.”
É este tipo de impressão que Nádia procura analisar, tentando identificar os mecanismos pelos quais Clarice é capaz de fisgar e sensibilizar o leitor sem que ele perceba. “Para ler Clarice, deve haver um ato de entrega, não se pode sair racionalizando. É o território da intimidade que o leitor não domina”, diz Nádia. Justamente por depender de uma relação tão emocional, a autora se pergunta como fica a leitura dos textos de Clarice depois deste processo de desmistificação. “É natural que as reações à obra de Clarice, justamente por serem tão emocionais, mudem ao longo da vida. Elas dependem muito da época e do contexto pessoal”, reflete a autora, sem deixar de destacar que seu extenso processo de análise não exclui o impacto imediato dos textos que aborda: “O grande mérito da literatura de Clarice é chacoalhar cabeças, tirar do marasmo. Isso ela faz como ninguém.”