ISSN 2359-5191

27/03/2003 - Ano: 36 - Edição Nº: 02 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Guerra é instrumento para construir ordem liberal, avalia cientista político

São Paulo (AUN - USP) - A invasão do Iraque pela coalizão anglo-americana se insere no contexto da construção de uma ordem liberal e não pode ser explicada apenas pelo petróleo ou pela ameaça representada por Saddam Hussein. É a análise do cientista político Rafael Villa, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Em palestra proferida recentemente, Villa detalhou as motivações da guerra que atualmente monopoliza os noticiários. O evento é parte da contínua tentativa, por parte da Faculdade, de evitar o isolamento do academicismo e buscar maior integração com a conjuntura do presente.

Villa citou, como objetivos frustrados da política externa americana em relação ao Iraque nos anos 90, a deposição pacífica de Saddam Hussein e a estabilização do conflito na região do Curdistão. Para desgastar o líder iraquiano, os EUA apostaram em “sanções inteligentes”, econômicas e militares. Segundo Villa, o sentimento antiamericano local, a ineficácia prática do bloqueio e a quase inexistência de oposição no Iraque fizeram com que o boicote surtisse efeito oposto ao esperado, fortalecendo o regime de Saddam. Já a questão curda, que envolve a mais numerosa nação sem estado do planeta, atravessou com a política das zonas desmilitarizadas uma paz ilusória – como demonstra a preocupação da Turquia, país que abriga a maior quantidade de curdos e há poucos dias invadiu o Iraque sem aviso. “É um recado para os Estados Unidos”, disse.

O cientista político afirmou que a guerra teria acontecido mesmo se os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, jamais tivessem ocorrido. A eliminação de Saddam Hussein era tida como necessária para a classe política neoconservadora à qual pertence George W. Bush. Esse grupo, contido no Partido Republicano, alterna as três vertentes da política externa americana no pós-Guerra Fria: o isolacionismo em relação à solução de problemas alheios (como o conflito na Palestina), o intervencionismo reativo ou preventivo em áreas instáveis (demonstrado na Guerra do Afeganistão) e a promoção dos chamados “princípios da América” – Democracia, Livre Mercado e Direitos Humanos – , exemplificada pelo conflito de Kosovo, em 1999.

A essa política imperial híbrida deve-se acrescentar um elemento incorporado após os atentados: o sacrifício das tradições democráticas em nome da segurança e do patriotismo. Comparando Bush ao religioso autoritário Savonarola (1452-1498), o cientista político vê nos anos 70 as origens de tal processo. Naquela década, o escândalo Watergate, a derrota no Vietnã e finalmente o seqüestro dos diplomatas americanos na embaixada de Teerã causaram um grande racha na moral coletiva dos EUA, que presidentes como Ronald Reagan vêm tentando reparar desde então.

Villa desmistificou os principais argumentos utilizados para explicar a guerra, seja por seus defensores ou detratores. A concepção de que os Estados Unidos desejam apenas desarmar Saddam seria fictícia; segundo o cientista político, desde a primeira bomba atômica “só se ataca um inimigo quando se tem absoluta certeza de que ele não poderá reagir com armas de destruição em massa”. Ao mesmo tempo, é simplista crer que a busca por petróleo é a principal motivação de Bush, como sustentam muitos de seus críticos. Apesar de seu valor estratégico, sozinho o recurso não é suficiente para fazer valer um conflito extremamente caro e que, ao contrário da primeira Guerra do Golfo, será custeado sem o auxílio de importantes aliados como Japão e Alemanha.

O real motivo da invasão seria outro: a construção de uma ordem liberal em todo o planeta – Villa evita o termo “neoliberal”. O uso da força nada mais é do que um instrumento, tido como legítimo, para disputar a liderança deste processo, ameaçada por potenciais rivais como a França, cujas fortes posições contra a guerra surpreenderam os Estados Unidos. Villa negou ainda que o ataque unilateral signifique a morte da ONU, que desde o fim da Guerra Fria teria “valor apenas humanitário e não estratégico”.

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