São Paulo (AUN - USP) - Poucos são os profissionais que têm a oportunidade de expressar tudo o que são naquilo que fazem. Não é o caso dos artistas visuais – e, muito menos, de Silvia Noriko Tagusagawa, mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Ela ingressou no mundo das artes e sempre buscou externar sua essência nos projetos que desenvolvia. Foi na cerâmica, porém, que encontrou a parceira ideal para a sua arte.
Apaixonada pela forma humana desde pequena, Silvia transporta para a cerâmica suas reflexões sobre o corpo alheio e sobre o seu próprio corpo. Mais do que isso, ela documenta por meio de palavras como se dá o processo de criação e confecção das obras de arte, processo que ela e outros estudiosos da área julgam ser talvez ainda mais interessante do que o produto final.
Dor e arte
Para ilustrar o que se passa até uma obra estar concluída, Silvia divide um período difícil de sua vida, que culminou nas esculturas que compõem a série Dollores, uma mistura de doll, do inglês, boneca, e o som ‘ores’, que remete às dores que sentiu ao longo de muitos anos.
A artista conta que sempre sofreu de fortes cólicas durante seu período menstrual. Quando jovem, nunca se preocupou em ir ao médico, pois achava que era normal. As dores, no entanto, aumentavam a cada ano, tornavam-se insuportáveis. Silvia relata que elas “iniciavam com leves pontadas e, à medida que aumentavam, era como se uma faca cortasse minhas entranhas.” Ela tinha endometriose.
Foram necessárias duas cirurgias para que a doença fosse extinta do corpo de Silvia. A endometriose espalhara-se para outros órgãos de seu corpo, o que tornou os procedimentos demorados. Para piorar, ela ainda contraiu uma infecção na região do intestino que precisou ter uma parte retirada. Depois de um tratamento com antibióticos fortíssimos, a infecção estava sob controle. “Sobrevivi”, conta.
Durante o período em que conviveu com as dores, Silvia confeccionou as esculturas que compõem Dollores. Elas têm “feições, tronco e vestimentas de mulheres”. Cada parte do corpo foi construída separadamente. A parte inferior foi modelada em um tubo, para que ela adquirisse um formato cilíndrico e, depois era cortada e modelada em forma cônica, assemelhando-se a uma saia. Depois, as saias eram trabalhadas com bisturis.
Já livre das dores, Silvia elaborou uma nova série, Dollores II. “Sentia-me renovada e feliz, comecei a ver a vida de outra forma, sem o stress da dor.” No entanto, em seu lugar vieram outras preocupações. A artista necessitaria de passar por um tratamento para engravidar, uma de suas grandes vontades. Durante esse período, seu trabalho “passou a demonstrar uma dimensão mais humana, integrada e suave.”
Os materiais utilizados foram os mesmos, mas os formatos dados à massa foram outros. “Minha preocupação estava em deixar as esculturas mais femininas. Trabalhei os detalhes dos cabelos e dos rostos. Os cortes vazados, em algumas delas, estão preenchidos com pequenas esferas e, em outras, os cortes estão localizados na região do ventre”, explica ela. As esculturas figuraram, em 2009, em uma exposição na Fundação Mokiti Okada.