São Paulo (AUN - USP) - Quem não confia na polícia, no poder legislativo brasileiro ou nos partidos políticos, mas acredita que a democracia é a melhor forma de governo vai encontrar no livro “Democracia e Confiança – Por que os cidadãos desconfiam das Instituições públicas?” boas explicações sobre seus pontos de vista. Organizado por José Álvaro Moisés, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH, “Democracia e Confiança” trata da relação entre o sistema democrático e a confiabilidade que as instituições públicas transmitem ao povo. Através de textos de pesquisadores de diferentes países – como Chong-Min Park, Gabriela Piquet Carneiro, Mariano Torcal, entre outros - e de reflexões do próprio professor, o livro trata em especial, sobre os efeitos da desconfiança na qualidade da democracia.
Muito presente na vida brasileira, a desconfiança é geral e não se restringe a um determinado segmento. O ponto de partida para o entendimento desse receio, segundo José Álvaro, é o paradoxo do atual cenário político-social: de um lado há um progressivo crescimento da adesão à democracia como a melhor forma de governo. Por outro lado, a desconfiança da população com relação às instituições públicas também cresce no país. A obra, fruto de cinco anos de pesquisas sobre o assunto, diagnostica tanto a natureza quanto a causa da falta de confiança que também ocorre em outros países com democracias recentes, como Espanha, México e Coréia do Sul.
Mas, afinal, por que há a desconfiança por parte da população? José Álvaro tenta aliar dois motivos: o normativo e o pragmático. A razão normativa, ou filosófica, evidencia a contrariedade das práticas dos órgãos públicos diante de sua autojustificação. “A polícia, por exemplo, existe para garantir a segurança dos cidadãos. No entanto, toda vez que a polícia age de forma equivocada, as pessoas passam a desconfiar”, explica o professor. “A população desconfia quando as instituições, em seu funcionamento, contradizem a função para a qual elas foram criadas”, completa.
O segundo motivo para que haja desconfiança está relacionado à vivência dos cidadãos. A cultura política de um indivíduo é resultado da absorção de valores e percepções desde a infância – através da família, da experiência escolar, do grupo de amigos, da igreja etc. Formá-la requer um processo longo e demorado, mas que não é estático: “os valores que se formam a partir dessa socialização mudam na medida em que a vivência adulta traz confirmações ou contradições às imagens que se tem”, ressalta o professor. Desse modo, o motivo prático para a desconfiança surge durante o fenômeno de formação dessa cultura, na vivência de cada um: “se você tem filhos pequenos e quer levá-los à escola pública ou a um posto de saúde pública e isso não funciona, a instituição pública está interferindo na vida das pessoas. E isso também vai gerar desconfiança”. Sobre as duas causas, José Álvaro conclui: “o fato das pessoas terem um ideal sobre a função da instituição, não quer dizer que a desconfiança nasça somente disso, também há a prática”.
Diante de tantos motivos para se desconfiar, a continuação da democracia se vê ameaçada. ”Se você tiver a adesão normativa, mas por outro lado a desconfiança, talvez se possa criar uma influência para deslegitimar o sistema democrático. É preciso especular sobre isso”, conclui o professor que pretende lançar outro livro sobre a mesma pesquisa no início do ano que vem.