São Paulo (AUN - USP) - No XII Seminário do Projeto da História do Português Paulista, pesquisadores analisaram mudanças gramaticais no português de São Paulo. A partir de recortes de jornais, cartas, relatos e peças de teatro, as professoras Maria Aparecida Torres Morais (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH/USP) e Rosane de Soares Berlink (Unesp) avaliaram a expressão pronominal e preposicional dos argumentos.
Segundo as pesquisadoras, que iniciaram o trabalho em 2007, o uso de jornais como material de pesquisa é fundamental, pois a imprensa funciona como “consolidadora de fatos linguísticos”, além de recuperar o passado sócio histórico brasileiro. No caso, o recorte temporal foi a passagem entre os séculos 20 e 21, período fundamental na história socioeconômica paulista.
“Se duas formas tem o mesmo valor semântico, então uma tende a desaparecer”, afirmou Maria Aparecida. A professora explicou como a língua é uma realidade heterogênea, constituída de diferentes realidades que refletem, naturalmente, os aspectos multiformes que caracterizam uma comunidade de fala. Ou seja, a variação é fruto da natureza social da língua. Essa é a chamada “teoria da variação e mudança linguística”.
No entanto, como saber se algo mudou linguisticamente? De acordo com a professora, primeiro comparamos ao português europeu. Para exemplificar, ela mostra como em Portugal o objeto indireto é uma função morfológica muito forte, introduzida pelos pronomes “a” ou “lhe”. “Isso é bastante categórico e bastante presente na língua, mas não foi adotado pela gramática brasileira.”
Portanto, se em São Paulo, é comum ouvir-se a forma “O José roubou o relógio de Pedro”, em Portugal, se diz sempre “Roubou-lhe o relógio”. Essa forma, predominante aqui até o fim do século 19, perdeu-se ao longo do século seguinte, sendo restrita a um uso mais culto. Na mídia, nota-se que o chamado “pronome dativo” reflete letramento, é uma aquisição feita via escolaridade, enquanto em Portugal é uma questão de vernáculo, exclusivamente.
Em números, esses pronome aparecem 0% na fala brasileira, enquanto em Portugal estão presentes em 88% das frase com a classe gramatical. Já os pronomes lexicais, que aqui apresentam 57% de uso, lá a utilização é nula. O mesmo resultado foi obtido na avaliação de revistas e peças de teatro. Analisando as revistas Veja e Claudia, percebeu-se que, na década de 60, o “a” tinha uma recorrência de 70% contra 30% de “para”. Já em 95, isso se inverteu para 48% contra 52%. Ou seja, as quedas dos pronomes “lhe” e “a”, ambos dativos, caminharam juntas.
O estudo dos jornais negros
A pesquisa descobriu, nos jornais negros do século 19 e 20 - como O Combate, O Menclik, Kosmos, Clarim d’Alvorada e O Alfinete – um interessante objeto de estudo. A mídia negra foi um movimento muito forte no Brasil, e as pesquisadoras suspeitaram que poderia haver uma comparação interessante com a imprensa oficial.
O estudo foi realizado sobre a colocação dos pronomes clíticos (como “me”, “te”, “se”, “a”) em O Patrocínio, periódico da imprensa negra de Piracicaba. Para tanto, remexeram em nove exemplares de arquivos da Unicamp, a fim de descrever e contrastar os diferentes padrões de colocação dos clíticos com a Gazeta de Piracicaba, periódico majoritário na época.
A maioria dos responsáveis pela imprensa negra era letrada: constituíam uma elite intelectualizada negra e preocupada com a norma culta. Em 1894, Piracicaba era a cidade mais importante do interior de São Paulo, e a terceira com maior número de escravos. Hoje, 6% da população é negra. Ali, havia um bairro denominado Vila África, no qual atuava a sociedade beneficente 13 de maio, que mantinha a “Escola Igualitária de instrução primária”. Após a abolição, os negros criaram as próprias escolas.
“Esperávamos mais características do vernáculo [na imprensa negra], já que tinham menos acesso a norma culta pautada no português lusitano.” Porém, a partir da análise dos dados, contatou-se que a diferença era de 1% no uso de próclises e ênclises entre ambas as imprensas. Os negros eram por vezes mais preocupados com a norma culta do que os jornalistas da imprensa majoritária. Ou seja, a ideia de vernáculo não se sustentou: “Os negros estavam preocupados em criar uma imagem digna de se inserirem na comunidade”.