São Paulo (AUN - USP) - Há 25 anos, Ângela, Augusto, Nailton e Humberto eram crianças que cursavam a 1ª série do ensino fundamental em uma escola pública. As pequenas trajetórias escolares desses alunos já eram marcadas por sucessivas reprovações que os colocava em classes rotuladas de “salas fracas ou especiais”. As dificuldades e as vivências desses quatro pequenos estudantes que, com tão pouca idade, já conviviam com paradigmas de rótulos pela questão da repetência, foram registradas pela psicóloga e professora do Instituto de Psicologia da USP (IP-USP) Maria Helena Souza Patto, na obra A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. Ao questionar-se sobre quais teriam sido os desdobramentos dessas constantes repetições ao longo da vida dessas pessoas, a mestranda da Faculdade de Educação da USP, Daniele Kohmoto Amaral, decidiu localizar cada um desses quatro sujeitos que são apresentados no livro para, através de entrevistas e diálogos com as famílias, analisar como a experiência do fracasso na escola afetou a vida deles de um modo geral.
Segundo a pesquisadora, que elaborou a sua dissertação de mestrado Histórias de (re)provação escolar: vinte e cinco anos depois a partir dos resultados dessas pesquisas de campo, esse é um tema ainda pouco explorado nas pesquisas atuais. Para ela, a maioria dos estudos traz uma perspectiva muito pontual, que analisa o aluno apenas no momento em que está na escola e poucas são as que se estendem para os efeitos e consequências dessas experiências do ambiente escolar na vida adulta. Sendo assim, Daniele retornou ao bairro de nome fictício “Jardim Felicidade” e, ao visitar a escola por onde passaram tais estudantes, soube do grande impacto que teve na época o livro com os registros da psicóloga Maria Helena Souza Patto aos professores.
Ainda nas imediações da escola, Daniele encontrou, vivendo no mesmo lugar que 25 anos atrás, Ângela, uma das alunas que compunha a “sala fraca”. A garota era tida na época como a “não preparada”. Considerada imatura e com muitas tarefas que a mãe lhe atribuía como a de limpar a casa, Ângela repetiu a primeira série algumas vezes. Surpreendentemente, Daniele ficou sabendo que Ângela, apesar dos percalços, enfrentou a luta para terminar os estudos e conseguiu concluir o ensino médio. As entrevistas revelaram, que a aproximação de Ângela com a prática do teatro estimularam o desenvolvimento da memorização que automaticamente contribuiu para seu melhor desempenho nas matérias escolares.
Um futuro diferente, porém, teve o aluno Nailton, o qual também foi localizado pela pesquisadora e que relatou que apesar das tentativas de prosseguir nos estudos, repletas de impaciência e interrupções, aos 16 anos quando cursava ainda a 5ª série, decidiu evadir-se do curso por ponderar que “não teria nascido para a escola, mas para trabalhar” e trabalha, até hoje, como pedreiro.
Um caminho mais divergente ainda teria seguido o também repetente aluno Augusto. O livro que originou a pesquisa relata que Augusto era constrangido por ser apelidado de “Cascão”, já que estava freqüentemente sujo. O garoto vivia o dia todo na rua e suspeitamente aparecia com dinheiro de origem desconhecida em casa. A pesquisadora não conseguiu localizá-lo e, ao que tudo indica e pelo depoimento de outros moradores, Augusto estaria preso.
O último aluno dos quatro, apesar de exaustivas buscas, não pôde ser entrevistado também. Humberto tinha deficiência mental e estudava numa classe rotulada de “especial”. A partir de alguns relatos, soube-se que hoje a família retornou ao Nordeste e que a mãe estava em um processo para tentar interditá-lo judicialmente.
Ao analisar a face dessas histórias 25 anos depois, a pesquisadora Daniele chegou à conclusão de que as marcas da reprovação não são tão lineares assim: “As trajetórias das pessoas são uma combinação de muitas relações e vivências com muitas instituições, inclusive a escolar, como o contexto social, temporal e cultural do aluno”, explica.
“A vida se passa por uma multiplicidade de pertencimentos e interferências – cada pessoa se constitui por essas complexas relações” com isso, a pesquisadora conclui que as provações determinadas pelo fracasso na escola ocorrem sim na trajetória, mas não são determinantes, justamente por essa rede de interferências, tanto positivas como negativas, que podem abrir ou fechar novos caminhos.