ISSN 2359-5191

26/05/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 34 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
O poder político na edição de obras literárias

São Paulo (AUN - USP) - O argentino Gustavo Sorá, professor da Universidade de Córdoba, veio recentemente ao Brasil lançar seu novo livro Brasilianas e, em palestra para os alunos de história da USP, discutiu a questão editorial latino-americana. Sob o título “Edição e Política: Guerra Fria na cultura latino-americana dos anos 60”, o professor realizou uma análise sócio histórica de um escândalo ocorrido no México em 65, que culminou na demissão do Arnaldo Orfila Reynal (1897-1997) da direção da editora Fundo de Cultura Econômica.

Reynal, argentino, químico e comunista, foi também uma das mais importantes figuras na construção de estâncias nacionais para a troca de bens culturais e acadêmicos pelo continente. Em 1948, ganhou uma bolsa da Rockfeller para ir aos Estados Unidos escrever sobre a história política do México. Foi então consagrado como grande historiador e indicado para gerir a empresa cultural que se tornava grande. Assumiu assim a direção do Fundo de Cultura Econômica.

O Fundo surgiu na Escola de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), para atender as necessidades de formar profissionais para a tradução (mexicanos não liam em outras línguas). Até o ano de 48, portanto, a editora se restringia a realizar a renovação do estoque bibliográfico norte-americano nas ciências políticas e econômicas.

“Tudo que é imposto como problema da América Latina passa pelo México, muitos aspectos da nossa história são explicados lá”, comentou Sorá. A década de 60 foi um momento crucial na produção intelectual dos países latinos. “A história oficial é muito controlada pela imprensa e não explica porque o mundo cultural mexicano gira em torno de uma empresa tão hegemônica. São muito poucas as editoras que podem ser consideradas fortes no país”.

A atuação política
O trabalho de Orfila na direção da empresa foi revolucionário. Publicou, na década de 60, “Os filhos de Sanchéz”, de Oscar Lewis. Mas a história dos homens que viviam no interior em situação de extrema pobreza foi considerada ofensiva por certa ala mais conservadora, uma vez que dava voz a uma linguagem “menos educada”, mais informal.

No ano seguinte a publicação, o então presidente do México, Salvador Azuela, decidiu em conferência aplicar um processo legal contra o autor e o editor do livro. Como não obteve sucesso pela via judicial, tentou pela alta política e decidiu-se que um estrangeiro não poderia comandar um meio de comunicação tão distinto.

“Os filhos de Sanches” foi, na verdade, a gota d’água do processo de vigilância sobre Orfila que ocorria desde os anos 50. Sua militância tomava forma com o tempo. Casou-se naquela década com a arqueóloga francesa Laurette Séjourné, da luta antistalinista. Quando Che Guevara chegou ao país, Orfila foi um dos primeiros a recebê-lo, presenteando-o com uma edição de “O Capital”. Em 59, participou da ocupação da embaixada cubana no México e, assim, tornou-se uma pessoa de enorme repercussão no país. Cada vez mais sua ação radicalizava-se no comando do Fundo. Foi a Cuba registrar o que acontecia no país, a fim de divulgar nos Estados Unidos um outro panorama da revolução. “Temos que escutar os povos famintos”, dizia.

Quando foi despedido da gerência do Fundo, os funcionários da editora realizam uma revolta e debandaram da empresa. No dia seguinte, a demissão estava no jornal e 60 intelectuais mexicanos de primeira linha foram à sua casa, incentivá-lo a fundar uma nova editora. “Em jantar num clube suíço [Orfila] junta alguns dólares e, em dezembro, já estava assentada as bases para a Siglo 21”, comenta Sorá.

Orfila constituia uma unidade latino-americana tamanha, de forma que autores adeptos cortaram seus vínculos com o Fundo. Entre eles, Octavio Paes, Carlos Fuentes, Cortázar, Pablo Casanova e Vargas Llosa. “Todos queriam que a Siglo 21 herdasse o que tinha construído Orfila no Fundo”. No entanto, o diretor optou por ser uma “editora de vanguarda” e publicava apenas livros de primeira edição.

De acordo com o professor, “Orfila era um estrangeiro que deu lugar a ‘mexicanização’ do país”. Na direção do Fundo, fazia pelo México o mesmo que os murais e as pinturas da época de Frida Kahlo e Diego Rivera faziam, mas por meio da publicação de livros que mostrassem a realidade nacional. O processo de edição era, então, fortemente marcado pela luta ideológica.

“Um estrangeiro conseguiu dirimir um alinhamento no campo cultural mexicano, descobri alguns desses processos das forças na edição de livros. Quais são as condições para as edições que dirimem lutas de poder? Que classe de poder detém a edição de publicações de livros? Isso desencadeia a história da Siglo 21”.

A atuação de Orfila no campo editorial e a decorrente fissura no Fundo foi uma oportunidade para a ebulição da força intelectual mexicana. Surgem após editoras que criam polos de competição dos quais o Estado já não tem muito controle. “Não se escreve sobre ele porque foi um editor, e não um intelectual”, concluiu Sorá. Sua história é pouco conhecida, mas sua contribuição para a construção de uma ideologia nacional é inegável.

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