ISSN 2359-5191

26/05/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 34 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Pesquisador apresenta uma nova leitura de Machado de Assis

São Paulo (AUN - USP) - Em tempos nos quais Woody Allen põe Memórias Póstumas de Brás Cubas em sua lista de obras preferidas, o professor aposentado da Universidade de Liverpool, John Gledson, apresenta uma nova leitura do autor Machado de Assis, comprovando mais uma vez sua contemporaneidade. A palestra “A crise dos 40 anos”, foi ministrada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, no último mês de maio.

“Essa conferência é uma tentativa de organizar as ideias sobre a crise dos 40 anos [de Machado], que culmina em Memórias Póstumas de Brás Cubas”, explicou-se Gledson, acrescentando como já fora criticado por “argumentar demais”. “Minha explicação é um pouco nova e útil, há muito já feito, mas há ainda muito o que fazer”.

O trabalho iniciou-se com a constatação de uma série de crônicas publicadas pelo autor na época da abolição e chegada da República. De acordo com o pesquisador, os textos deduzem um ponto de vista de Machado sobre a época: o sarcasmo e a ironia usados eram violentos o suficiente para que usasse um pseudônimo, escondendo, assim, sua identidade. “Memórias foi seu primeiro grande romance. Junto com as crônicas, parecem pertencer ao mesmo surto criativo”.

Leituras anteriores
De acordo com Gledson, há muitas explicações conhecidas para esse surto. A primeira é biográfica: algo teria acontecido em sua vida no fim da década. O autor convalescia de um problema ocular, demitiu-se de seu emprego e mudou-se para Nova Friburgo. Mas como ligar esses fatos? A resposta seria o pessimismo literário filosófico, cujas raízes se encontram em Schopenhauer, e que teria origem na doença. “Mas nem todo pessimismo gera um grande romance”, argumenta.

A segunda explicação é literária. Machado teria sofrido, nessa época, influência do estilo digressivo humorístico de Laurence Sterne, nomeada por si de “sátira menipeia” (do filósofo grego Menipo). “Novamente, causas e efeitos não se encaixam. Gêneros são instrumentos de que os autores lançam mão para certos fins. Mas quem muda seu estilo por admiração? Temos que abortar a teoria passiva de que Machado simplesmente ‘recebe’ o gênero menipeio”.

Por fim, a terceira explicação, considerada a mais coerente por Gledson, é dada por Roberto Schwarz. O crítico explica como Machado, ao explorar situações típicas do romance, entra em um beco sem saída: faz com que barreiras sociais sejam arrancadas, algo bem longe da realidade. Assim, pegou a leviandade como estilo de composição: a ironia vira forma. “As histórias tinham não somente razões literárias, mas também sócio históricas.

O tripé de Machado de Assis
Mas Gledson tem sua própria explicação para a mudança escrita de Machado, a qual chama “Argumento ABBA”, nome escolhido após uma conversa com um musicólogo inglês. Ambos concluíram que uma das razões para o sucesso do grupo era a origem sueca, país pequeno e periférico, de forma que os músicos tinham que ser versáteis, produzindo vários gêneros. Machado fez algo semelhante num país onde a maior parte da população era analfabeta.

“Nas crônicas, Machado achou um lugar para experimentar e isso transbordou para outros gêneros. Nos anos 70 não tinha limites, publicou uma série de textos no Cruzeiro no espaço onde o leitor esperaria uma crônica. Entre eles havia uma ópera em oito colunas, um elogio à vaidade, uma conversa entre um par de botas e um conto árabe”.

Há esse tempo, o autor faz uso criativo e consciente da paródia, chegando ao clímax em Memórias Póstumas. O conto Parasita Azul, por exemplo, parodia seus três predecessores brasileiros: Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar. Este último, particularmente, tinha uma importância enorme para Machado e a sua morte leva o autor menipeio a “chefe” da literatura nacional.

Assim, tendo esse momento de uso não convencional dos gêneros, Gledson pode identificar uma constante básica ensaiada em cada romance do autor. “Há um triângulo instável, ligado ao mesmo problema que aborda anos nas paródias: a peculiaridade da independência do Brasil e suas ‘falhas’”.

O triangulo é formado por três personagens presentes nas obras: o estrangeiro, a mulher ambígua e fascinante e o caipira, brasileiro “tosqueado” que nasce para ser traído e menosprezado. Alguns elementos que envolvem esse triângulo mudam de natureza de conto para conto, mas seus efeitos não são menos devastadores. “O triângulo encarna uma verdade básica: o status colonial do Brasil e sua independência irreal”.

O uso do triângulo começa em O Parasita Azul. O faz em um ambiente real, mas ultra-simples, abstrato. “A época (1872) é de um Brasil mais simples e a traição é menos dramática”, explica. Já em Memórias, temos uma ousadia maior, de um Rio de Janeiro ultra-real, capital do Império. Ali, temos os três personagens bem identificados: Lobo Neves é o estrangeiro, Vírgilia, a mulher ambígua e, o defunto Brás Cubas, que nos narra toda a história, é o brasileiro “tosqueado”. Assim, a receita pode ser identificada nas demais obras como Quincas Borba, Dom Casmurro e Memorial de Aires.

“A lógica que usava até então não se sustentava. Cria-la é uma coisa, vive-la é outra. A doença era mais a conseqüência do que a crise, embora não possa prova-lo. Dada a seriedade da crise, Machado mostrou um grau de inteligência e criatividade impressionante. Estava em uma encruzilhada e não podia ficar no mesmo lugar. A parodia que praticava como método dava a certeza que poderia digerir e superar seus antecessores.”

Assim, Gledson reafirma a genialidade do autor, que soube aproveitar o momento histórico, a idade e a linguagem para recriar a literatura. “Machado era o que tinha quer ser: um experimentador incansável. O conhecimento das possíveis razões de sua experimentação nos leva a compreender melhor sua carreira”.

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br