São Paulo (AUN - USP) - A censura esteve presente no Brasil por muito tempo nas mais diversas formas de expressão. A tese de doutorado Coincidências da censura, figuras de linguagem e subentendidos nas obras teatrais do Arquivo Miroel Silveira, defendida por Andrea Limberto Leite apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP, aborda esse tema com base em uma vasta pesquisa de obras teatrais e palavras nelas censuradas, procurando estabelecer uma lógica para entender quais trechos eram extirpados e por quê.
O Arquivo Miroel Silveira de onde foram retirados todos os textos que a pesquisadora analisou vem sendo organizado pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura, conta com 6.137 processos cada um deles sobre uma peça teatral, contendo, geralmente, seu título, um resumo da história, o autor, a data de solicitação da censura, os trechos censurados e o gênero da peça. O arquivo conta com processos do período entre 1930 e 1970, tendo a pesquisadora se focado nos das décadas de 1950 e 1960.
A pesquisadora apresenta um conceito muito interessante e diferente do usual em relação à censura. Apesar de no lado político a censura ser algo reprovável, pois poda a liberdade de expressão que é um dos direitos primordiais de todo ser humano, pelo lado lingüístico, ela não é apenas uma espécie de mutilação do que está escrito. Na verdade, quando se retira ou se corta um trecho de um texto, modifica-se o sentido deste, e cria-se uma coisa nova. Portanto, a censura pode ser vista como um processo de criação de um novo texto sobre um já existente. E foi esse discurso, que surge com a censura, o material analisado pela pesquisadora: “Entendi o censor como autor das marcas sobre o texto original da peça teatral, inscrevendo texto sobre texto para gerar o que é meu objeto de pesquisa, os processos de censura”.
Tendo em vista esse conceito, Andrea procurou entender as dinâmicas políticas e sociais do que estava censurado nos documentos e concluiu que “o tipo de palavra censurada não era tão óbvio quanto poderia se pensar”. Não apenas palavrões eram censurados, estas palavras explícitas eram, inclusive, as que menos interessavam Andrea. Porém, outros tipos de figuras de linguagem ligadas a diferentes temáticas foram extirpadas dos textos. Para a pesquisadora, existe todo um discurso por detrás das palavras proibidas e se estas foram retiradas de um texto é porque já sofriam algum tipo de repressão na sociedade, mesmo em conversas informais. Então, quando estas são analisadas é possível perceber quais eram os discursos “dominantes” da época, e foi isso que Andrea tentou mostrar.
Andrea primeiramente tentou dividir os trechos extirpados entre: censura moral, religiosa, política, social. Porém, segundo a pesquisadora: “Os resultados da pesquisa revelam uma classificação das peças segundo a natureza de seus subentendidos: da ordem da privação, da ordem da provação, da ordem do tabu e do sexo, da ordem do estranhamento do outro.” Em outras palavras, os temas censurados em sua maioria se referiam a algum desses temas: fome, pobreza, azar, destino, fatalidade, taras, adultério, perversão, sexo, tabu, incesto, o estrangeiro.
A pesquisa realizada contribui para entender como funcionavam os processos de censura e com base neles os discursos predominantes da época, suscitando uma importante discussão sobre o que é e como se desenvolve esse fenômeno ainda estranho para muitos que é a censura.