São Paulo (AUN - USP) - Realizar uma expedição científica para o continente gelado é privilégio para poucos. Primeiro de tudo, porque a autorização para fazer a viagem e ter a permissão de explorar o campo é resultado de uma série de testes e vigorosa análise do projeto de pesquisa. Segundo, porque não são todos que se dispõe a correr riscos e aturar o frio rigoroso. Por isso, é de grande mérito o fato de que, pela primeira vez, pesquisadores do Instituto de Química da USP (IQ) são contemplados com a aprovação de um projeto. A viagem realizada em meados de dezembro de 2010 corresponde à 29ª missão à Antártica.
A coordenação foi feita pelo professor, Pio Colepicolo, do IQ, mas contou com a parceria de muitas outras instituições. Participaram em conjunto o Instituto de Botânica de São Paulo (IBt), o Instituto de Biologia da USP (IB), a Universidade do Paraná (Unipar), a Universidade Federal de Pelotas (Unipel), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto Argentino de Oceanografia (Iado) e Universidade de Magalhães, do Chile.
A proposta foi enviada ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), órgão que faz intermediação entre os cientistas e os ministérios responsáveis pelo ProAntar (Projeto Antártico Brasileiro): Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Marinha do Brasil. No início do ano passado, houve uma grande demanda por grupos de pesquisa. “Entre submissão e aceitação houve um período de seis meses, iniciado em janeiro de 2010”, conta Colepicolo, que se encarregou de fazer o contato com as outras universidades nacionais e estrangeiras.
Já no mês de agosto do ano passado, os 14 pesquisadores que iriam à Antártica, grupo pequeno, de acordo com as vagas oferecidas, foram submetidos a um treinamento de uma semana. O treino foi feito em um posto da Marinha, na Ilha de Marambaia, no Rio de Janeiro. Durante o chamado TPA (Treinamento Pré-Antártico), foram apresentados o Tratado da Antártica e o Código de Conduta Ambiental, além de passar por atividades que simulariam situações extremas. “O nosso treinamento tinha ritmo militar”, conta Angela Pedroso Tonon, bióloga e pesquisadora do IQ.
De acordo com Colepicolo, a elaboração de um projeto cujo objeto de estudo provém da Antártica surgiu da idéia de catalogar a biodiversidade, distribuição e história das macroalgas. Em paralelo, fazer o monitoramento de indicadores abióticos, bioquímicos e microbiológicos com preocupação em poluição ambiental. Trata-se de um incentivo inédito no quinto continente em extensão da Terra.
Macroalgas são organismos pluricelulares, podendo ser vermelhas, verdes ou pardas. No continente que detém 90% do gelo do planeta, há notável variedade destas espécies, que são interessantes tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico, já que são amplamente utilizadas pela indústria farmacêutica e de cosméticos. Durante a missão, o grupo seguiu algumas linhas de pesquisa. Enquanto alguns se destinaram a estudar fungos a elas associados, outros focaram na taxonomia das espécies, ou seja, na atribuição de nomenclatura cientifica.
Seguindo outra frente, Angela Tonon realizou coletas tanto de algas quanto de água e sedimentos. Com um guincho especial do navio da Marinha brasileira em que ela estava hospedada eram coletadas amostras do mar em diferentes profundidades e períodos. Graças ao navio, conhecido como Max, foi possível explorar, além do próprio continente, as várias ilhas adjacentes. A descrição do local e as condições ambientais, como temperatura e salinidade, eram fundamentais. A cientista se concentrou em analisar a presença de metais pesados nestes vegetais, como o cobre, chumbo, mercúrio e cádmio. Esta é uma questão muitíssimo relevante, sobretudo nos dias de hoje, tendo em mente o risco de extinção de algumas espécies e preservação da qualidade de vida.
As macroalgas têm um papel fundamental no ecossistema marinho. Um dos motivos é o fato de representarem a base na cadeia alimentar, sendo que há inúmeros organismos dependentes de sua existência. Portanto, se elas estão intoxicadas, a tendência é a bioacumulação gradativa de tais metais pesados ao longo do nível trófico.
A Antártica vem apresentando aumento da poluição nas últimas décadas, embora seja o mais preservado dos continentes. Neste ponto, a ação antrópica é um fator determinante, assim como em diversos outros ecossistemas. Porém, há outros motivos, como a sedimentação de ilhas vulcânicas da região e o transporte destes poluentes por meio das correntes marinhas.
A principal área de exploração da equipe é a Baía do Almirantado, onde está a estação brasileira no continente, chamada Comandante Ferraz. O trecho está contido na Ilha Rei George e vem sendo pesquisado há cerca de três décadas, ao lado de áreas especialmente protegidas, ultrapassadas somente sob supervisão.
Angela contou que o clima era, muitas vezes, fator negativo. “Tínhamos que esperar o momento oportuno para podermos sair do navio e fazer a coleta”, lembra. Tempestades e ventania entre raios de sol efêmeros e turbulências na navegação também fizeram parte da expedição. Por isso, vestimentas pesadas e equipamentos eram obrigatórios. “Usávamos bota de couro e macacões especiais para suportar o frio”, disse a bióloga à Agência Universitária de Notícias.
A logística durante os 45 dias de viagem ficou a cargo da Marinha, bem como os custos de hospedagem e supervisão de locais arriscados. Nos diferentes lugares explorados, há constantemente a cobrança de autorização, além do acompanhamento de alpinistas bastante experientes.
Agora, a equipe tem garantido mais duas viagens, já agendadas para 2012 e 2013, sempre realizadas no verão antártico (entre dezembro e fevereiro), período em que a Antártica recebe pesquisadores do mundo todo. Nesse período a população chega a 4.460 pessoas, em contraste com o resto do ano, cerca de quatro vezes menos povoado. Para a 30ª missão na Antártica, Colepicolo pretende ingressar também e poder realizar estudos comparativos com os resultados observados durante o ano.
Como o Projeto é algo que conta com o intercâmbio entre outros institutos e visa à análise em longo prazo, é esperado que se faça um relatório final, no qual o conteúdo das várias linhas de pesquisa será reunido. Depois de concluído, será apresentado ao CNPq, como forma de controle científico. “Um dos objetivos é publicar a pesquisa em revistas científicas internacionais”, disse Colepicolo.
A Antártica passou a cada vez mais ser destino turístico, tanto de cruzeiros quanto de embarcações particulares. A exploração tem sido crescente, mesmo em locais teoricamente isolados. Contudo, expedições de cunho científicas deste porte trazem uma mensagem especial ao resto do mundo. É necessário preservar a natureza em qualquer circunstância e continente.