São Paulo (AUN - USP) - Pelo menos 50% das cidades da América Latina têm habitações subnormais. No Brasil, nunca houve um plano maciço de habitação voltado para a população de baixa renda. Uma situação caótica e deplorável acentuada ao longo do tempo. A realidade das habitações foi um dos temas abordados na VII Semana de Ciências Sociais da USP, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), na última semana de maio.
O professor aposentado de ciências políticas da USP, Lúcio Kowarick, convidado a palestrar, esclareceu o panorama das consideradas habitações precárias, como favelas (ocupação de terra alheia) e cortiços (onde se paga aluguel e tem áreas de uso comum). “Em um cortiço, chega-se a ter de 10 a 20 moradores para um banheiro, um vaso sanitário é dividido entre 15 pessoas e um chuveiro é disputado por 30”.
“Em 1906, um jornal da época dizia que um terço das habitações era cortiços que abrigavam cerca de 50% da população. Até a década de 30 a cidade era concentrada e concêntrica: os pobres moravam perto dos ricos. Ao longo do século, São Paulo foi a cidade que mais cresceu e, as elites, quiseram periferizar os pobres criando bairros como Higienópolis e Aclimação.”
Enfrentando jornadas de 12 e 13 horas de trabalho, com baixos salários e sem transporte público adequado para as periferias, os trabalhadores optaram pelos cortiços, mais próximos dos centros urbanos e dos locais de trabalho. Nos anos 70 e 80, 70% das moradias foram feitas na autoconstrução (mão-de-obra familiar). Formava-se assim, um tripé família-favela-loteamento.
“Eu vejo a cidade como espaço de disputa de interesses diversos e muitas vezes antagônicos. A luta entre as classes trabalhadoras e o grande interesse do capital é muito desigual. A habitação, a moradia, é uma mercadoria muito específica, de longa duração e, não à toa, é muito cara. Como você faz a maioria da população ter acesso a isso?”
Ações populares
Pensando no centro da cidade, em 2000, 26% dos domicílios eram vazios. Um estoque habitacional ocioso que é objeto de disputa.
Manoel del Rio é advogado e faz parte da frente de luta por moradia. O objetivo é trazer a população para zonas centrais, dentro da ideia de cidade compacta. Participou da ocupação de diversos prédios no centro, como o Ana Cintra, Pirineus e o Hotel São Paulo.
Manoel listou as causas principais do problema habitacional: baixos salários, informalidade e desemprego, especulação e o patrimonialismo do poder público. Para ele, a solução deve vir da intervenção deste poder, por meio de um Plano Diretor direcionado para a organização de uma cidade compacta. Além disso, deve haver uma política fiscal urbana com impostos progressivos e taxas diferenciadas.
Valdir Martins (Marrom), representante da ocupação de Pinheirinho, contou como ocuparam a área de um especulador em São José dos Campos . Era um terreno de 700 alqueires, sem funcionários, atrelada a uma massa falida que guardava obras de arte e não pagava impostos há oito anos.
Assim que ocuparam, dividiram a terra em lotes. A prefeitura tenta tirá-los dali a sete anos, já houve 18 ordens de despejo. A luz é fornecida por um gato oficializado decidido no Tribunal de Justiça de Brasília. “É impossível viver sem luz e água na vida moderna. Só vai cortar quando nos tirarem de lá”.
“Qual é o papel do movimento social? Não é “invadir” como diz o jornal, mas é mostrar para o governo que há verba para fazer casa, mas não é interessante para o governo fazê-las”, comentou Valdir.
As soluções da arquitetura
A professora Lizete Rubano, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), falou das possibilidades dos projetos de arquitetura frente à cidade. “Me interessa muito o percurso do século 20 como o de habitação social. A formação moderna do mundo é a de justaposição das realidades existentes. É a matriz urbana que nos da instrumentos para pensar a moradia. A habitação coletiva inaugura uma discussão.”
De acordo com a professora, no Brasil, a construção da modernidade se fez de maneira muito diferente. A partir da década de 1930 parecemos modernos, mas não somos. O desdobramento disso na arquitetura se fez muito presente: a habitação ficou a margem na condição estruturadora da cidade.
Nesse contexto, como atuar em áreas consideradas frágeis, como mananciais? Lizete apresenta projetos pontuais, como o do arquiteto Hector Vigliecca, responsável pela urbanização do complexo Heliópolis, pelo conjunto habitacional Casarão do Carmo e do Conjunto Rio das Pedras, entre outros.
Em áreas de vazio urbano, o arquiteto propõe criar blocos de unidades sobrepostas com espaço de circulação. Ocupar o vazio criando um projeto específico. Em áreas urbanas críticas, como Heliópolis, a solução foi a criação de blocos de apartamentos bem projetados que compõem com a cidade já existente. Em áreas de mananciais, é necessário criar estruturas urbanas que respondam às condições precárias, como pontes.
Lizete afirma ser necessário apostar na dimensão da cidadania, na divisão de espaço público e coletivo, no espaço que agrega e cria referências. “Por mais que a gente sofra com as condições do espaço da verticalidade, também temos a revanche da horizontalidade, dos espações contínuos e dos interesses comuns. A habitação é uma constituição do território da vida cotidiana. A matriz urbana é alterada conforma a gente constrói os territórios habitacionais.”
O exemplo de fora
Kowarick mostrou que as experiências internacionais podem ajudar muito, como a “guerra dos cortiços” francesa, que resultou em um enorme programa de aluguel subsidiado, um “salário indireto” no contexto do estado de bem-estar.
Lizete lembrou as cooperativas uruguaias da década de 60, exemplares no sentido de junção de agentes, além das medidas tomadas na cidade de Bogotá, que culminaram em um tripé de investimentos em educação, transporte público e equipamentos culturais.