São Paulo (AUN - USP) - No Brasil, entre 2001 e 2009, a proporção de famílias chefiadas por mulheres subiu de 27% para 35%, segundo dados do IBGE. É a mulher assumindo e garantindo um papel maior na sociedade, estudando mais e constituindo boa parte da mão de obra do país. Como a mídia tem relatado esse fenômeno social foi o tema do 3° debate do Ciclo de Jornalismo, Liberdade e Direitos Humanos, ocorrido no dia 25 de maio de 2011, no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA). A discussão foi coordenada pelo professor do CJE Dennis de Oliveira, organizada pela Escola em uma parceria com o Instituto Vladmir Herzog e contava com a presença de Fátima P. Jordão e Ivo Herzog representando o Instituto.
Fátima Jordão é formada em ciências sociais pela USP, especialista em pesquisas de opinião e Fundadora do Instituto Patrícia Galvão. O Instituto entende a mídia como um local de debate público e por isso temas críticos relativos à mulher devem ser tratados da forma mais idônea e correta possível. O Instituto tenta garantir que isso aconteça, ao estabelecer contatos com grandes veículos apontando falhas na cobertura e ao produzir seu próprio material que vai de matérias até campanhas de nível nacional.
A cientista social levou essa filosofia do Instituto ao debate, retomando um pouco da história da submissão da mulher, desde o Gênesis, no qual Eva nasce de uma costela de Adão, passando por várias outras religiões, onde se encontram mulheres submissas aos homens, como o islamismo e o hinduísmo, até a França, país no qual, somente em 1940, a mulher ganhou o direito de votar, apesar deste ser o país em que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada em 1789. Segundo Fátima: “A matriz do patriarcalismo é muito profunda nas nossas civilizações”.
Mas pode se ver pela pesquisa do IBGE que essa mentalidade vem mudando aos poucos, pois as mulheres não mais ocupam esse papel de total submissão. Porém, segundo Fátima, a mídia ainda apresenta alguns fatos sobre perspectiva machista. Como por exemplo, em um telejornal. “As mulheres ainda são pouco chamadas no papel de especialistas”.
Outro exemplo citado é que a disparidade na política entre homens e mulheres, sendo muito maior a presença dos primeiros, ainda é pouco discutida e é um assunto que deveria ser uma das prioridades, pois os governos são constituídos para representarem a população e defenderem seus direitos e é, no mínimo estranho, quando metade dessa população é do sexo feminino e tem tão poucas representantes do mesmo gênero na política.
Há exemplos de mulheres que conseguem se destacar nessa área, como Cristina Kirchner, presidente da Argentina, mas os questionamentos que a mídia levantou quando esta se candidatou foram se ela seria capaz de substituir o marido, citando muito pouco a trajetória política dela no Senado que era até melhor que a do antigo presidente. Isso significa, segundo Fátima, que a mídia trata o assunto com um pouco de depreciação quanto a capacidade de uma mulher de governar, como se ser um bom representante do povo estivesse ligado a uma questão de gênero.
Fátima citou também, vários outros casos nos quais, sob sua perspectiva, a mídia cometeu erros na cobertura de fatos relacionados às mulheres e à minorias. Como, por exemplo, a lei que aprova o casamento homossexual. A maioria dos veículos citou o assunto como polêmico, mas não apresentou argumentos e nem fomentou discussões que pudessem oferecer a população um maior esclarecimento sobre o tema. Para Fátima, a mídia nem sequer levantou um ponto fundamental do casamento gay “como a atualização de uma sociedade arcaica e machista”.
Apesar da mentalidade patriarcal ainda estar presente o avanço é inegável. Segundo Fátima: “ Evoluímos da briga de marido e mulher não se mete a colher para a Lei Maria da Penha, um salto e tanto, mas ainda há muito o que se fazer”. Um ponto curioso é que a mídia brasileira, citada em tantos casos por não ter tratado adequadamente os direitos e interesses da mulher foi a “mãe” do feminismo no Brasil, com revistas como Brasil Mulher; Nós, mulheres e Mulherio.
A palestra mostrou aspectos na cobertura jornalística em relação à mulher que, por muitas vezes, passam despercebidos ao cidadão comum e ressaltou o papel da mídia como fomentadora das importantes discussões na sociedade atual, o que torna a omissão dela nos problemas relativos ao gênero um atraso para todos. Porém, ela tem um poder de mobilização capaz de mudar realidades para melhor. Pena que, às vezes, vem sendo mal utilizado.