ISSN 2359-5191

07/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 42 - Economia e Política - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
O espaço urbano e suas políticas públicas em debate

São Paulo (AUN - USP) - A terceira mesa da VII Semana de Ciências Sociais da USP discutiu “o (não) planejamento urbano e a precarização das cidades”. Organizada pela revista de graduação em Ciências Sociais Primeiros Estudos, a mesa reuniu o professor e pesquisador de ciências políticas da USP, Eduardo Marques, o representante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Gabriel Simeone, e o arquiteto e urbanista José Marinho, funcionário da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo.

Políticas públicas falhas
Para o professor Eduardo Marques, é preciso situar a dimensão do planejamento urbano em um panorama social do período recente. As reformas das políticas públicas, desde 1988, têm apontado uma tendência de afirmação da cidadania. Nas políticas sociais de saúde e educação, por exemplo, houve melhoras, embora ainda estejamos longe do ideal.

No entanto, as políticas da área de urbanização habitacional não apresentaram o mesmo avanço. “Há uma significativa manutenção da precarização”, diz Marques.

Verifica-se também o aumento da heterogeneidade populacional nos loteamentos clandestinos e nas favelas. As causas dessa heterogeneidade são as trocas populacionais e a ascensão social, o que faz com que diferentes pessoas convivam nas favelas. Tal ascensão social é resultado de uma infra-estrutura mais desenvolvida do que a que se verificava nas favelas há dez anos, o que, todavia, ainda não foi suficiente para eliminar a precarização.

Ao mesmo tempo, essas mesmas áreas de habitação precárias são homogêneas dentro das grandes metrópoles, o que configura uma segregação sócio-espacial. “As grandes metrópoles estão segregadas como eram há 20 anos”, diz Marques.

Segundo Marques, ao avanço das políticas públicas em geral, se contrapõe a estagnação de políticas urbanas e a inexistência de regulamentação vem de longa data. “Há uma não decisão em nível nacional desde a desmontagem das políticas ditatoriais em 1986”. De lá para cá, o que ocorre é uma relativa regulamentação federal no sentido de que o governo sinaliza algumas medidas através de planos gerais de urbanização.

A instabilidade no setor começou a ser enfrentada com a criação do Ministério das Cidades no governo Lula (2002-2010). Há algum avanço na regulamentação através de legislação e também a criação de planos nacionais, como o de habitação e saneamento, por exemplo.

A partir de 2009, há dois grandes programas do governo federal: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida. Para Marques, são planos que seguem na direção perpendicular ao esforço institucional de constituição de políticas nacionais organizadas em uma mesma direção. “Os dois programas não tinham nada a ver com a área habitacional mesmo. Foram criados fora do Ministério das Cidades com o objetivo de manter o crescimento econômico do Brasil apesar da crise internacional de 2008”.

Além disso, tudo indica que o modo como o Minha Casa, Minha Vida se organizou tende a reproduzir o padrão de construção de conjuntos diferenciados para as periferias urbanas, contribuindo para a segregação espacial das metrópoles.

Para Marques, por trás do não planejamento, há um nó estrutural político e econômico. “As políticas de ocupação do solo e de regularização da utilização da terra dependem basicamente dos governos locais e interferem nos interesses políticos e econômicos locais”.

No Brasil, as elites locais têm interesses nas atividades imobiliárias. Sendo assim, a dificuldade de produzir políticas de gestão do território ativas está no fato de que os interesses das elites seriam feridos.

Como exemplo dessa questão, há a valorização imobiliária. Muitas vezes, atendendo às elites, as políticas públicas acabam valorizando territórios e dificultando o acesso da população de menor renda a uma casa própria. “A valorização imobiliária deveria ser vista como um aspecto negativo”, diz Marinho.

Planejamento de um lado, políticas do outro
O arquiteto e urbanista, José Marinho, usou a teoria do professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), Flávio Villaça, para explicar o processo de urbanização no Brasil.

Marinho define o planejamento urbano como técnica que serve de guia para a ação do Estado no espaço. Sendo assim, uma retrospectiva é necessária para buscarmos a origem do problema da urbanização.

Em um primeiro momento, de 1875 até 1930, havia planos de conjuntos gerais para as cidades. Dado que, na época, as elites cafeeiras estavam no comando do poder público e das cidades, os planos eram de fato executados, pois traziam benefícios para a própria elite.

A partir de 1930, os planos de urbanização passam a ser meramente discursos ideológicos e tratam não só da organização urbana, mas também de questões alheias como cultura ou construção de cemitérios, por exemplo.

“São planos para serem planos”, diz Marinho. Nessa segunda fase, o planejamento urbano fica dissociado de políticas e ações concretas do Estado. “As políticas públicas não decorrem do plano diretor. O zoneamento de São Paulo, ou seja, as regras de uso e ocupação do solo que não valem para a cidade toda, não foi orientado por nenhum plano geral”.

Até hoje, todos os planos diretores que foram elaborados para São Paulo tem como prioridade o transporte coletivo em detrimento do individual. No entanto, não é assim que a política urbana trata a questão. Os prefeitos vêm ampliando as vias e construindo túneis, de modo a beneficiar o transporte individual. “As intervenções urbanas são feitas para privilegiar as elites, embora os planos não explicitem isso”, diz Marinho.

A partir de 1990, o planejamento estaria voltando a se ligar aos interesses da população e se restringir à questão fundamental de um plano diretor, que é determinar a forma como a terra será utilizada e apropriada. Mas isso ainda não acontece na prática.

“O planejamento urbano é a técnica, as políticas é o que se faz de fato. Essas duas dimensões podem estar veiculadas ou não, como é feito hoje. Hoje as políticas são feitas da forma que interessa às elites dominantes”, diz Marinho.

Marinho questiona, então, como sairemos do atual estado no qual o planejamento é meramente ideológico. Para ele, há uma saída: “A mudança só virá quando os movimentos sociais se derem conta de que os planejamentos são armadilhas. Eles têm que ficar atentos somente às políticas”.

Cidades: espaço das elites
Gabriel Simeone, do MTST, destacou a lógica econômica que guia o crescimento urbano desordenado. “Antes as cidades eram apenas núcleos e a atividade econômica estava no campo. Quando a economia se volta para a cidade, há um inchaço sem planejamento. A cidade é a expressão do mercado e cresceu de acordo com os interesses do mercado”.

Nesse sentido, as ocupações de terra eram, inclusive, autorizadas e financiadas pelo governo. Era interessante para a burguesia ter seus funcionários em áreas ilegais porque podiam abater do salário custos como aluguel ou contas de luz. “Com base nesse planejamento urbano, a cidade cresceu industrialmente”, diz Simeone.

Na cidade, há duas dinâmicas: a do cheio e a do vazio. O cheio são terrenos lotados de pessoas sem nenhuma regularização imobiliária. O vazio são terrenos vazios que são o filão da especulação imobiliária e os quais se tentam ocupar. “É sobre esse palco que se desenvolvem os conflitos fundiários hoje”, diz Simeone.

“A tradição do trabalhador era ocupar e ficar. Hoje, você ocupa e não fica porque é despejado. Um dos objetivos do movimento é adiar o despejo, como uma guerrilha mesmo”, explica Simeone.

Para os trabalhadores de baixa renda, até mesmo as melhorias de infra-estrutura podem ser prejudiciais, já que acabam aumentando o valor dos impostos pagos e seguem os interesses da especulação. Marinho afirma que “O Estado é um agente das classes dominantes”. O metrô, por exemplo, não é pensado no sentido de melhorar o transporte público e acaba funcionando como “um instrumento de valorização imobiliária”.

“A lógica capitalista empurra os trabalhadores para fora da cidade, então queremos trabalhar em outra lógica que se oponha ao governo e ao capital”, diz Simeone. Ele afirma que o Brasil tem 7 milhões de imóveis vazios e, se houvesse uma redistribuição, a cada dez pessoas sem casa, oito teriam onde morar.

Outra questão levantada é o fato de grandes eventos como a Copa do Mundo e Olimpíadas provocarem despejos nas cidades. Em Pequim, nas Olimpíadas, foram 1,5 milhões de pessoas despejadas. “Há a previsão de que 150 mil sejam despejados só em Belo Horizonte por causa da Copa”.

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