ISSN 2359-5191

08/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 43 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Violência no campus é discutida em debate sobre criminalização e militarização

São Paulo (AUN - USP) - Em meio aos recentes debates sobre segurança no campus Butantã da Universidade de São Paulo, a 9ª mesa da VII Semana de Ciências Sociais da USP trouxe uma discussão que se encaixa perfeitamente na questão. A mesa teve como tema a “Criminalização da Pobreza e Militarização das Cidades” e reuniu Odair Dias, do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-SP), Marisa Fefferman,, psicóloga, pesquisadora e representante do Tribunal Popular, e Sílvio Caccia Bava, editor chefe da revista Le Monde Diplomatique Brasil.

O cerco à periferia
Para Odair Dias, a violência no Estado está ligada à perspectiva social e de classe. Hoje se consolida um processo de Estado Penal. “A senzala só mudou de lugar. A segregação continua e se instituem códigos sociais que formam a figura do ‘suspeito’”.

“Dizer que não existe um processo social agravante na ação da polícia é algo equivocado”, diz Dias. Ele enfatiza que o Estado é um instrumento de repressão que se volta contra o pobre, no sentido de que a repressão dos movimentos populares entra na periferia. “O alvo da polícia é, então, o trabalhador, e a periferia é o local de limpeza étnica e extermínio do pobre”.

O Cress vem atuando incisivamente contra o procedimento da polícia na periferia de, nas palavras de Dias, “atirar primeiro e perguntar depois”. Essa atuação acontece por meio de pedidos formais à polícia, denúncias, audiências públicas e ações conjuntas com associação de moradores, sindicatos e movimentos populares. “O Estado é um instrumento de opressão, até porque o Estado é simplesmente uma forma de sobrepor uma classe à outra”.

Além da polícia, a mídia também agrava a situação ao iniciar um processo de violência na comunicação, como coloca o geógrafo Milton Santos em Por uma outra globalização. “A burguesia utiliza os meios de comunicação e inicia o medo social”, diz Dias.

Contestar é crime
Segundo o IBGE, a família brasileira tem, em média, 3,3 pessoas. Se a renda mensal per capita da família for de R$ 600, essa família já está entre os 25% mais ricos do país. Com esse exemplo Sílvio Caccia Bava mostra que a desigualdade social é um problema grave e que, quando falamos de pobreza, estamos falando da maioria dos brasileiros.

A criminalização, no entanto, não diz respeito a toda a população de baixa renda, mas se volta justamente conta àqueles que não se conformam com a sua situação de pobreza. “É a forma de luta pela sobrevivência e resistência coletiva que é criminalizada”, diz Bava.

A revolta de setores da população com a sua própria situação precária se explica porque a pobreza não é algo natural e, consequentemente, a sua contestação é bastante provável. “A pobreza é uma construção social, histórica e política. Em decorrência de políticas públicas como a política de impostos, que cobra mais do pobre do que do rico proporcionalmente, é que a população empobrece.”, diz Bava.

O jornalista explica que “20 mil famílias mais abastadas são detentoras de grande parte da dívida pública. Então, quando se aumenta a taxa de juros para combater a inflação, se aumenta a remuneração dessas famílias. E, se o dinheiro entra em um lugar, tem que sair de outro. Logo, tira-se o dinheiro da saúde, da educação, do saneamento básico”.

Os grupos que questionam essas políticas e são criminalizados por isso, muitas vezes são movimentos populares organizados e politizados, que conquistaram uma institucionalidade que vem de baixo para cima.

Verifica-se também um descompasso entre uma sociedade que exige cada vez mais qualificação enquanto as pessoas não têm a possibilidade de conseguir um emprego. Além disso, para Bava, a sociedade não é capaz de conviver com as diferenças de classe ou de sexualidade, por exemplo. “A valorização da imagem e do consumo evidencia quem tem acesso e quem não tem. O preconceito e a intolerância são resultado de um padrão de sociabilidade. São resultado do modo não amigável e desconfiado das relações hoje”.

Bava menciona também as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro e cita o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, Ricardo Henriques, para o qual a solução é “tudo ao mesmo tempo no mesmo lugar”.

A questão que se levanta é que as UPPs não são suficientes e é preciso implantar todas as políticas públicas como saúde, educação, assistência social, bolsa família de maneira conjunta em um mesmo local. “Só assim se pode garantir que as pessoas não lutem de forma transgressora para sua sobrevivência. Porém, nenhum estado opera integrando políticas”, diz Bava.

Em relação à mídia, Bava afirma que a grande mídia desqualifica as formas de resistência porque “não lhes interessa um espaço público disputado pelos de baixo”. No entanto, as mudanças mais radicais na América Latina aconteceram justamente por intervenção de movimentos populares articulados que se expressam no campo da política.

“É pela política que se resolve a questão da criminalização da pobreza. É preciso inverter a lógica de políticas regressivas que contribuem para maior concentração de renda e criar políticas inclusivas, ou seja, não só para os pobres, mas para toda sociedade. Assim reinventaremos a nossa sociabilidade”, diz Bava.

Faltam direitos, sobra repressão
Para a pesquisadora Marisa Fefferman, com a queda do socialismo soviético, a contra-proposta dos trabalhadores estava impossibilitada e o capitalismo se colocou como único meio de sobrevivência. Mais tarde, com a ascensão de governos neoliberais, temos a derrocada do Estado de bem-estar social e não existe mais a possibilidade de haver direito para todos.

“Estamos vivendo em um Estado de polícia porque não temos mais os direitos sociais garantidos para todos. Alguns terão as garantias, os outros terão a punição. Criminalizar não é uma política brasileira, é a lógica de uma sociedade na qual não cabe todo mundo”, diz Marisa.

A pesquisadora aponta uma única forma pela qual os marginalizados são incluídos: o consumo. Quando a população de baixa renda consome, ela está inserida no sistema e se torna cidadã. “Em todas as outras situações, há para eles um Estado mínimo de direitos e um Estado penal”.

Desde a época da escravidão, a punição se volta contra o trabalhador negro. “No entanto, somente os grupos de negros que se organizavam para lutar pela sua liberdade deviam ser punidos”, diz Marisa. Atualmente, o “bode expiatório” da sociedade baseada na produção ainda é o proletário que contesta. “Há a criminalização do pobre, dos movimentos sociais, dos jovens que vivem na periferia. Todos são sinônimos de traficante”.

Mais uma vez a questão da mídia é abordada e Marisa relembra a fala de Dias, ressaltando que as políticas punitivas são noticiadas de forma positiva sob a perspectiva do medo social. “O medo sempre foi utilizado para legitimar comportamentos, doutrinas, leis e punições violentas e cruéis”.

O Tribunal Popular foi criado em 2008, quando a Declaração dos Direitos Humanos completa 60 anos, e reúne 110 entidades de todo o Brasil as quais consideram que estamos vivendo em um Estado penal que criminaliza e executa.

Nesse sentido, o Tribunal Popular é um espaço de resistência e reivindicação no qual o Estado brasileiro é simbolicamente um réu acusado de genocídio, encarceramento em massa e invasão militarizada das comunidades de baixa renda.

Entrando novamente, portanto, na militarização das favelas no Rio de Janeiro, Marisa afirma que a função do exército é proteger os brasileiros de seus inimigos externos. “Quando o exército toma conta de um bairro, isso quer dizer que nós, brasileiros, é que somos criminosos. O inimigo público número um do Exercito no Brasil é o pobre”.

Em Paraisópolis, por causa de alguns protestos organizados pela comunidade, a polícia passou a atuar ostensivamente sob o pretexto de estar garantindo a lei, a ordem e as políticas públicas. “A lógica é a da segregação. A única política pública que é efetiva é a da criminalização, não a da educação ou da saúde. A presença ostensiva da polícia ou do exército gera o ódio da população. Dessa maneira, de que sociabilidade e políticas públicas estamos falando?”, questiona Marisa.

Segurança na USP
Para Marisa, é legítimo que os estudantes queiram segurança e a PM no campus. “Mas é preciso lembrar quem foi que matou o menino da São Remo que nadava no Cepe (Centro de Práticas Esportivas da USP) e quem foi que bateu nos estudantes na greve de 2009”.

Na opinião da pesquisadora, ter a PM no campus “é alimentar um monstro”. É preciso pensar na sociabilidade e na convivência na USP em oposição ao discurso de que somos inimigos uns dos outros, o que leva à violência.

“Colocar a PM no campus pode implicar que os estudantes se considerem inimigos e devam se proteger”, diz Marisa. Para Bava, “a PM no campus serve à lógica hierárquica da reitoria e vai cercear os movimentos expressão dos estudantes”.

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