São Paulo (AUN - USP) - O combate ao antissemismo não se destaca na pauta política do país. Parece um problema distante e ignorável. No entanto, a mentalidade racista cresce novamente no Brasil e no mundo, adquirindo contornos cada vez mais visíveis no cotidiano. Esse foi o tema escancarado pelo I Fórum de Combate ao Racismo, à Xenofobia e à Discriminação, organizado pelo LEER (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
De acordo com o argentino Leonardo Senkman, professor de História e Cultura Latino Americana na Universidade Hebraica de Jerusalém, o antissemitismo não é reconhecido como ideologia própria dotado de lógica. Assim, não há uma punição legal grave. “Há países europeus que não penalizam o discurso de ódio. O discurso de ódio não é considerado delito se não inclui um discurso específico”.
Ou seja, os países creem mais numa liberdade e na educação democrática do que na censura. É mais fácil aplicar a repressão e a censura quando a ameaça existe realmente e a iniciação a uma violência simbólica contra judeus não é um perigo claro porque é uma opinião que não se pode censurar.
Porém o fenômeno existe, e toma corpo especifico em cada localidade, dado o contexto sócio-político de um país. “A opinião pública em geral faz crítica à Israel como uma forma dissimulada de antissemitismo. A lógica da democracia liberal conduz a certas campanhas anti-discriminatórias ao mesmo tempo que prega menos visibilidade”.
Dos incidentes registrados, o país que figura no topo do ranking de violência antissemita são as democracias europeias como Reino Unido e França, seguidos de Canadá e Estados Unidos e países do leste europeu como Polônia, Ucrânia e Rússia.
Na América Latina, os maiores incidentes foram na Venezuela, Brasil e Argentina. No Brasil, ressalta-se o caso de 2007, quando estudantes universitários do sul do país atacaram candidatos judeus. Nessa mesma região ocorreram dois ataques com pedras em sinagogas.
A atualização do Nazismo
Adriana Dias é doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Campinas. Há oito anos etnografa o movimento neonazista na web. “Montamos uma força-tarefa para avaliar esse material e denunciar crimes de ódio”.
“Não pude ir visitar uma ‘aldeia nazi’ senão via internet”, diz. Assim, Adriana visita fóruns e comunidades virtuais, analisando o que ali se discute. “Falam da vida pessoal e de como o antissemitismo salvou suas vidas. As discussões vão desde o corpo de mulheres à como cozinhar ‘comida branca’”.
Segundo Adriana, os “links de ódio” são os instrumentos mais importantes para compreender a intertextualidade do nazismo na internet. Há sites inteiros feitos pelo Movimento Nacional Socialista no Brasil. “Quando comecei a pesquisar, havia 8 mil sites. Hoje são 32 mil apenas em espanhol, inglês e português. Escolhi 40 para ler profundamente. Foram mais de dois milhões de páginas lidas com a ajuda de um software”.
Como exemplo, Adriana mostra um fórum virtual colaborativo, o Stormfront. Ali, há um material institucional disposto organizadamente. Em 349 mil páginas, há mais de 4 mil posts, produzidos pelos 115 mil membros ativos.
Há diferentes formas de ativismo. As redes sociais costumam ser porta de entrada para os sites, mais profundos em conteúdo. Ali são veiculadas ideias como a de que os judeus pretendem dominar o mundo por meio de suas instituições políticas e econômicas. Os judeus seriam a causa da pedofilia, do aborto, do comunismo e do capitalismo. Os sites também recorrem a mitos que sacralizam o belo ariano.
A partir desses estudos foi possível constatar que existem cerca de 200 nazistas na cidade de São Paulo, divididos em células que lutam pela liderança do movimento. Há uma tentativa de se construir partidos políticos, que no site são transmitidas por abordagens preocupadas com a família e a atuação política do movimento.
Em números, foi possível constatar a quantidade de arquivos baixados com conteúdo antissemita. Nos Estados Unidos, em 2008, esse número chegou a 450 mil, enquanto no Brasil foram 145 mil, a maior quantidade em Santa Catarina (45 mil), seguido por Rio Grande do Sul (42 mil). Em 2010, o fórum mencionado teve um total de 300 mil arquivos baixados.
Estratégias e discursos
A violência é expressa em um discurso mito-biológico: mito da extinção da raça pelo casamento inter-racial ou adoção de crianças. Há a construção do judeu e do negro como figuras diabólicas. A paranoia os conduz a viver em reminiscências da Alemanha, sendo que muitos nem sequer têm antepassados germânicos. “De onde vem, afinal, toda essa germanidade racial? Basicamente, se você é capaz de compreender o mito, você tem o sangue germânico”.
Para a pesquisadora, esse discurso está inserido em um contexto no qual o léxico biológico invade o mundo, e pouco se diz sem remeter a DNA’s. “Nós vivemos um mundo em que esse discurso é muito forte e esses sites evocam muito esse discurso, ao mesmo tempo em que o associam a uma linguagem mitológica analisada como ‘fé’”.
A pesquisadora mostrou um cartaz que dizia “Basta de Políticos Hipócritas”. A crítica política coincide com o imaginário do senso comum, somada a resistência pagã (a única possível). Um Thor nórdico é reformado e transformado em um lutador germânico (membros carregam um martelinho de Thor no pescoço). O neonazismo é, afinal, uma resistência pagã ao interculturalismo.
Outro símbolo apropriado pelos neonazistas são as Runas, símbolos do alfabeto nórdico que remetem a exposição “A glória da vida”, na qual Hitler lançou o plano eugênico e, em seguida, deu início ao extermínio de deficientes físicos. As Runas estão tomando o lugar da suástica, pois compactuam desse discurso biológico.
O movimento utiliza a rede porque há uma imagem de anonimato, mas, principalmente, pela percepção de que o discurso está sendo absorvido. O movimento faz um uso específico da web, impondo desafios para a educação dos direitos humanos. Para a pesquisadora, é necessário dar uma resposta no próprio meio.
“Numa sociedade que quer preservar os direitos humanos, não é normal baixar esses arquivos que deveriam ser proibidos. O revisionismo histórico não é crime no Brasil. Um site neonazista é justificado pela liberdade de expressão. Assim, cresceram 170% desde 2002. É preciso que a educação tenha uma capilaridade na web. Precisamos nos apropriar desses mecanismos pelo menos na mesma proporção que eles”.