São Paulo (AUN - USP) - Enterrar flores de cerâmica em plena avenida Paulista pode parecer estranho ou até impensável, mas não para Rebeca Stumm que fez dessa ação o tema para sua tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Artes na Escola de Comunicações da Arte da USP.
No período em que a obra foi enterrada, entre 2007 e 2008, a avenida Paulista estava passando por uma reforma, todo cimento das calçadas havia sido retirado e a terra estava exposta para poder receber o novo piso. Nesse contexto, Rebeca resolveu fazer o enterro da sua obra que eram as flores de cerâmica e contou com a ajuda dos operários do local e do artista e cineasta Roderick Steel, que documentou parte do trabalho. O fato da obra ter formato de flor ocorreu porque a artista já possuía várias peças dessas feitas por ela e também porque são uma forma universalmente reconhecida que poderia ser facilmente identificada na documentação do trabalho.
Alguns dos trabalhadores mostraram-se comovidos quando precisaram esmagar as flores para poder colocar o novo calçamento, eles reconheceram as flores como obras de arte. Segundo Rebeca, um deles chegou a dizer, referindo-se aos museus presentes na avenida e os objetos de cerâmica: “O que deveria estar lá dentro do prédio, vai estar aqui fora, na calçada”. Com essa primeira etapa Rebeca pode concluir que o enterro é um momento específico. “No enterro, o momento–específico tornou-se o momento de rompimento entre o que era, para o que será”. O instante em que a obra, no caso as flores de cerâmica torna-se um objeto.
Após esse processo ter sido realizado, a artista imaginou que se desvincularia da sua obra. Porém não foi isso que aconteceu. Ela decidiu tornar a sua proposta mais participativa e enviou um e-mail a diversas pessoas que tinha em anexo uma foto do enterro que ela produzira na avenida Paulista. O e-mail sugeria aos participantes que enterrassem aquela imagem e dependendo do local em que essa ação fosse realizada utilizassem suas próprias estratégias, registrassem e depois reenviassem por e-mail o que haviam feito. “Acredito que o enterro da imagem-documento pretendia retomar o confronto com o objeto cerâmico, ao qual havia me confrontado no primeiro enterro”, explica Rebeca.
Os resultados produzidos pelos participantes surpreenderam a própria idealizadora da proposta. A imagem foi queimada, rasgada, enterrada na areia, na terra, em jardins e canteiros, uma bicicleta passou por cima de uma delas, colocada embaixo de uma pedra e até mesmo de um chinelo. As ressignificações foram tantas que interferiram na própria obra, invertendo os papéis de autor e espectador, um conceito muito comum na arte contemporânea hoje em dia.
Ainda trabalhando com esse conceito de arte participativa a artista postou um vídeo no youtube onde está documentado o enterro que ela realizou na avenida Paulista. Cada acesso que o vídeo tem multiplica a imagem apresentada. Por exemplo, se o vídeo tivesse 29 acessos, 29 imagens simultâneas e iguais apareceriam quando alguém clicasse para assisti-lo.
O trabalho apresentou conceitos de arte participativa e do que é uma obra de arte em si, analisando-os de forma prática e interativa. Segundo Rebeca: “Este é um trabalho que ainda cresce em significados. Mesmo sendo muito simples, na banca de doutorado, este foi indicado como o melhor trabalho”, conta. “Somente ele já seria um grande ganho como pesquisa poética. Não tenho uma conclusão sobre este trabalho, considero que há descobertas a fazer, ainda não sei onde ele pode me levar... pretendo continuar”