São Paulo (AUN - USP) - Ocorreu no dia 17 de junho o último seminário da série O que é escritura?, promovida pelo Grupo de Estudos Literatura Loucura Escritura (Gelle), do Departamento de Letras Modernas (DLM) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). O evento contou com a participação dos professores Ricardo Fabbrini, do Departamento de Filosofia, Marcos Natali e Roberto Zular, ambos do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH.
Os três professores haviam ministrado palestras individualmente para a série. Fabbrini foi responsável por apresentar a palestra Escritura e pintura moderna, no dia 25 de março; Natali havia apresentado Literatura e sacrifício, no dia 15 de abril e Zular ministrou A escritura e a voz ou como Derrida escreve a voz de Valéry, no dia 20 de maio. O último seminário teve, portanto, como intuito, fazer uma síntese dos outros eventos da série e abrir novas discussões.
Discussões
O evento iniciou com uma fala inicial de cada um, resumindo as idéias apresentadas nas aulas anteriores. Fabbrini lembrou de exemplos do que ele chama de proto-escrituras, que são as escritas no momento de sua criação. Para ele, isso existe na pintura, por exemplo, de Amílcar de Castro, na qual se encontra a espontaneidade do primeiro gesto. Neste contexto, gesto é, pela definição de Roland Barthes, “abolir a distinção entre causa e efeito, que podemos chamar também de pulsão. Diferentemente do ato, que visa um produto final”, afirma o professor. Ainda segundo ele, em Amílcar de Castro, “o gesto visa rasurar todo tipo de clichê, de estilema [característica peculiar de cada autor]. É a escritura que se opõe a toda escrita e a todo script”.
Zular deu continuidade ao debate fazendo referência ao texto escrito. Nesse ramo da produção cultural, a proto-escritura seria o manuscrito, que é o “estado nascente do signo”. Ele lembrou a obra de Ali Salomão chamada Babilaques. “O Ali colocava manuscritos em situações inusitadas, por exemplo, em cima de um carro, e os fotografava. Isso é o extremo da tentativa de casar a vida e o gesto de escrita, mas é um projeto irrealizável”, comenta.
Já Natali, lembra fala de Derrida. “Existe um texto no qual ele escreve sobre a morte de sua mãe, em que ele se acusa de estar sendo literário demais. Ele se sente culpado por registrar a morte da mãe de forma literária. Esse é um momento em que a instabilidade do discurso vira um problema”, afirma.
Os professores ainda lembraram que essa era justamente a crítica que outros filósofos faziam a Derrida. “A filosofia alemã, na figura de Habermas, criticava os pensadores franceses. Criticava a inépcia da escritura em falar da realidade, a sua auto-referencialidade”, afirma Fabbrini. Natali ainda lembra que “Derrida era contra a tentativa de se definir o texto fora do texto”.
Zular diz que uma das funções da escritura é produzir silêncio para combater a verborragia do mundo. “Nunca houve tantos artistas, livros, músicas. Quando ouvimos música no supermercado, gente, vemos que algo aconteceu com a música”, critica. Para ele, a produção de sentido foi naturalizada. “Não é mais dado à literatura e à escritura a possibilidade de pensar o que é ler e o que é escrever. Isso é algo fixado, que não tem como ser discutido”.
Grafite, psicanálise, tatuagem
Após perguntas de espectadores, foram abordados outros temas como o grafite. Fabbrini ressaltou a migração do grafite da rua para o ateliê, que foi relacionado por Zular com uma “polícia da escritura”, que tenta institucionalizar a produção cultural, determinando os espaços onde a escritura pode existir. “Assim que surge algo novo para explodir a pulsão, ele é englobado pela academia”, diz.
A psicanálise foi também abordada. Fabbrini diz que ela “permeia a escritura positiva e negativamente”. Ele afirma que “a escritura nos revela o inconsciente do texto”. Natali relacionou isso com as tatuagens. “Nas tatuagens o suporte é a própria pele da pessoa. E elas revelam a interioridade da pessoa através da pele. Mas ainda assim, faz-se isso de forma enigmática, misteriosa. Por exemplo, posso escrever no meu corpo com um caractere chinês, que é uma escrita que eu não domino”, conclui.
Os vídeos dos seminários podem ser encontrados no site www.jornadagelle.wordpress.com.