São Paulo (AUN - USP) - No último dia 21 de junho, o jornalista Ricardo Kotscho esteve na Escola de Comunicações e Artes da USP para debater O papel do jornalismo no combate às várias formas de autoritarismo com alunos e professores do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE). A palestra encerrou o ciclo Jornalismo, Liberdade e Direitos Humanos, organizado pelo CJE, o Instituto de Estudos Avançados da USP e o Instituto Vladmir Herzog, e que trouxe convidados desde março de 2011.
Passeando pela história recente do Brasil, Kotscho analisou a perspectiva de atuação do jornalismo no período da Ditadura Militar e na democracia de hoje. Para ele, o autoritarismo do regime militar deixou resquícios na imprensa brasileira. “Além de combater, o jornalismo começou a praticar o autoritarismo, com a criação de hierarquias e dogmas como os das Forças Armadas ou da Igreja Católica”.
O jornalista explicou que esse despotismo da mídia contamina tanto a esfera empresarial quanto a individual. “As empresas querem editorializar o noticiário de acordo com suas preferências políticas e ideológicas. E os profissionais querem impor sua opinião aos outros ao reportar o que está acontecendo”. Quem sai perdendo é o leitor, que, segundo Kotscho, fica “perdido”.
Em meio ao bombardeio de múltiplas opiniões, Kotscho vê a internet como um horizonte de libertação. “[A internet] quebra esse oligopólio. Transforma todos em emissores e receptores, quebra o autoritarismo e democratiza a circulação de informação e opinião. Formadores de opinião somos todos nós”.
Apesar disso, ele não acredita que a grande mídia vá acabar, como muitos têm especulado. A matéria-prima para o conteúdo que circula na internet ainda é respaldada nas publicações das três maiores fontes de notícias no Brasil: Folha de S. Paulo, Rede Globo e O Estado de S. Paulo. “Elas continuam dominando a circulação de informação. O que mudou é que, a partir dessas informações, todos nós omitimos opiniões, e não apenas os comentaristas e colunistas dessas empresas”, avalia.
Adequação ao público na TV
Outra transformação importante que ganha força no jornalismo brasileiro é a adaptação a todos os tipos de público. Como o grande exemplo, Kotscho citou as atuais mudanças na Central Globo de Jornalismo. A mais recente foi a substituição de Renato Machado, apresentador do Bom dia, Brasil por Chico Pinheiro, âncora do SP TV, anunciada no dia 20 de junho.
Kotscho conta que, já há algum tempo, Octávio Florisbal, diretor geral da Rede Globo vem pensando em como dialogar com a maioria da população. “Enquanto o Ali Kamel [diretor da Central Globo de Jornalismo] ascendia no jornalismo, as classes C e D ascendiam na sociedade. A Globo não acompanhou essa mudança”, afirma.
Anos atrás, quando era consultor da emissora, Kotscho costumava dizer que o jornalismo da rede era a “revista Veja no ar. Muita política e economia”. Hoje, avalia positivamente as tentativas de aproximação com o público das classes C e D, por meio da adequação da forma e do conteúdo dos telejornais. “O Chico Pinheiro é o oposto do Renato Machado. Faz um jornalismo comunitário aqui em São Paulo. O [formato] do SP TV não tem nada a ver com a Globo. É um símbolo de mudança”.
Vice líder de audiência no Brasil, a Rede Record também tem investido na modelação do jornalismo com base na diversidade dos telespectadores. A recente contratação de Kotscho – e outros nomes de peso na profissão, como Heródoto Barbeiro – para integrar o corpo de comentaristas da Record News, atende à demanda por credibilidade das classes A e B.
Por outro lado, o recrutamento de Datena para a TV Record e a estruturação do portal R7 apelam para os interesses mais populares. “O objetivo claro deles é escrever para o público classe C”, explica Kotscho sobre o R7. “É uma coisa nova. O que dá audiência é fofoca, celebridades, bizarrices. Você tem que mudar de público. As pessoas que comentam são outras, que não comentam em colunas de política. Acho isso bom”.
No fundo, Kotscho considera que não há grandes diferenças entre as grandes empresas de telecomunicações no Brasil. “Se você pegar todas nas origens, não tem nada bonito. Na verdade, tudo é uma questão de audiência e faturamento”.
A melhor profissão do mundo
Nem positivo, nem negativo, o balanço geral de Kotscho sobre a evolução do jornalismo brasileiro nas últimas décadas é apenas realista. Ele acredita que os profissionais de hoje são mais preparados do que na década de 1960, mas que falta fôlego. “A diferença que vejo é no espírito. Não sou saudosista de achar que no meu tempo era tudo melhor. O texto era pior, mas os jornalistas tinham mais vontade de fazer as coisas, de brigar pelo seu trabalho”, afirma.
No cenário atual, Kotscho vê a grande reportagem como pilar de sustentação da imprensa. “Os jornais só vão sobreviver se investirem em reportagem. É a única coisa que vai diferenciar, porque hoje é tudo igual: o que você vê na internet, nos telejornais da noite e nos impressos do dia seguinte”. Ele citou iniciativas como a agência Pública, criada pelas jornalistas Marina Amaral, Tatiana Merlino e Natália Viana, nos moldes do jornalismo investigativo independente de outros países.
Quanto ao diploma de jornalista, Kotscho tem uma posição clara. “Não sou defensor, mas acho que a escola não faz mal a ninguém. O que não pode é pensar que vai brilhar porque fez [o curso da] USP. A vida não é assim. Jornalista tem que sujar o sapato, tomar chuva, sol, descobrir coisas, contar novidades, fazer perguntas”, ensina.
Citando Gabriel Garcia Marquez, Ricardo Kotscho defendeu que, apesar das contradições, o jornalismo ainda é “a melhor profissão do mundo” para quem quer intervir na realidade e ajudar as pessoas. “Não quero criar ilusões de que tudo é uma maravilha na profissão. Mas se fosse tão ruim, não estava nela até hoje. E não tem pais melhor do que o Brasil para exercer o jornalismo”.