São Paulo (AUN - USP) - Só é possível se comunicar com palavras? Para Gabriela Canale, doutoranda em literatura comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH) e idealizadora do projeto Multigraphias, a resposta é certamente não. Postando textos, imagens ou vídeos no blog coletivo do projeto, moradores de diversos países dialogam entre si e com a cidade onde vivem. A intenção é que, através deste diálogo artístico, os participantes sejam instigados a perceber mais atentamente o espaço em que vivem e aprender novas maneiras de olhar seu em torno.
Diante da necessidade de postar diariamente alguma percepção ou experiência que tenha conexão direta com a cidade, o membro passa a reparar em muitas cenas e momentos antes ignorados e as próprias relações entre o ambiente e o indivíduo acabam mudando. “É um jeito de propor uma sensibilização para onde se está”, diz Gabriela. Tais relatos, quando postados no blog, são colocados em diálogo com os dos outros membros, que postam respostas a esta postagem inicial. Assim um texto, vídeo ou imagem é postado em resposta ao anterior estabelecendo um diálogo marcado principalmente pela imprevisibilidade.
“Como é dialógico, nunca é autoritário", resume. “Tem artista que vem para o projeto e fica irritado porque a foto não foi interpretada da maneira como ele queria, mas o legal é exatamente isso.” Os resultados do diálogo mostram como o autor não pode controlar as interpretações e criações de sentido de sua obra.
Inicialmente o conteúdo compartilhado era na maioria literatura, mas com o tempo a foto se tornou mais presente. Hoje, os participantes dialogam principalmente através de imagens. “É um jogo de criação e crítica, já que responder uma imagem com uma imagem também pode ser uma crítica dela”. Para Gabriela, a história da arte é, de certo modo, o mesmo tipo de jogo, em que cada movimento artístico é uma espécie de crítica ao anterior.
Tendo iniciado as atividades em 2008, o projeto conta com registros de mais de 40 cidades em vários países, entre as quais Buenos Aires, Londres, Praga, Cidade do México, Berlim, Bruxelas, Porto Alegre e São Paulo.
Todos integrantes foram convidados por Gabriela, que já conhecia alguns e outros veio a conhecer. Fazem parte profissionais de diversas áreas, como fotógrafos, professores universitários, antropólogos, jornalistas e escritores. São pessoas que talvez não fossem chamadas de artistas, mas que Gabriela faz questão de considerar como tal. “Para mim artista é qualquer um que se coloque criativamente”, diz ela, cuja intenção é também de dessacralizar a ideia corrente quanto a figura do artista. “A arte cabe na vida de todos. Cada um pode criar no tempo que tem disponível”.
A internet foi escolhida como plataforma não só por ser a única maneira de estabelecer um diálogo dinâmico e frequente entre pessoas geograficamente tão distantes, mas também por possibilitar um livre acesso ao público. “A internet dá a troca direta com quem enxerga, diferentemente da exposição. O diálogo entre observador e artista é mais frequente”, ela explica, referindo-se aos comentário que qualquer visitante pode postar no blog.
O Multigraphias está com inscrições abertas para novos membros em seu programa de residência artística até oito de julho. Os interessados devem enviar para o endereço multigraphias@gmail.com uma minibiografia de até oitenta palavras e três exemplos (ou links) do seu trabalho, podendo ser fotos, textos, vídeos ou outros.
Site: http://multigraphias.com/