ISSN 2359-5191

30/08/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 78 - Economia e Política - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Cidade do algodão
Tese de mestrado analisa a economia da São Paulo colonial, seus principais produtos e o papel da mulher em seu funcionamento

São Paulo (AUN - USP) - “Periferia da periferia”. É assim que Igor Renato Machado de Lima se refere a São Paulo quando detalha sua tese de doutorado “Habitus no Sertão: gênero, economia e cultura indumentária na Vila de São Paulo (1554-1650)”. À época, o que viria a tornar-se a cidade mais rica do Brasil era pouco mais que um povoado mameluco bastante simples nos confins da América Portuguesa.

Num momento em que o motor da economia colonial era o cultivo canavieiro no Nordeste, a Coroa demonstrava pouco interesse pela longínqua capitania de São Vicente. Pouco populoso e carente de investimentos, o local se tornou quase uma unidade autônoma dentro do Império Português. No campo econômico, o crédito e o escambo faziam-se bastante comuns, devido à escassez de moeda que acometia a colônia como um todo.

A abundância de terras tornava-as uma posse pouco valiosa. “Isso fica latente, com a ausência de valor nas terras distribuídas entre os herdeiros”, afirma Lima. “Uma indumentária poderia valer mais que uma casa”. Entre os principais cultivos da região, comercializados na área costeira, encontravam-se o trigo, o milho e, sobretudo, o algodão. Este último adquiriu tamanha importância econômica, que Igor Lima chega a apelidar de “Civilização do Algodão” a sociedade que se desenvolveu na São Paulo da época. Além de ser a vestimenta predominante na região, as roupas de algodão eram de extrema importância econômica, havendo inclusive grandes tecelagens sob controle da camada senhorial. Segundo Lima, “os têxteis algodoeiros, a partir principalmente da década de 1640, extrapolavam a economia doméstica”. “A camada senhorial produzia e comercializava com regiões como Santos, Salvador e mesmo Angola”.

Nessa indústria, utilizava-se, principalmente, a mão-de-obra cativa das mulheres indígenas. O trabalho escravo nativo era amplamente empregado no local, mas pouco comercializado com outras partes da colônia, uma vez que a escravidão indígena sofria restrições legais, podendo realizar-se apenas pela chamada “guerra justa”, ou seja, o aprisionamento em batalha. Outro traço marcante da “Civilização do Algodão” era a forte presença feminina na vida econômica, uma vez que os homens se encontravam frequentemente ausentes, engajados em missões exploradoras pelo interior ou exercendo atividades comerciais. “Senhoras viviam organizando o trabalho nos sítios, nas lavouras e mesmo nos teares domésticos. Participavam também nos negócios com seus familiares emprestando dinheiro, organizando o trabalho de tecelagem e comercializando com a costa os produtos locais”.

À semelhança de muitas sociedades ao redor do mundo, a população de São Paulo marcava no vestuário as diferenças de classe social. Produtos europeus comprados na costa, como saias de Londres e gibões coloridos eram usados sobretudo pela camada senhorial, mas foram, com o tempo, se estendendo inclusive aos indígenas, em grande parte, devido aos esforços da Igreja para combater a nudez dos nativos, em nome da moral cristã. Ainda assim, segundo Igor, a mobilidade social na região parece haver sido maior do que no Nordeste açucareiro. “Isso acontecia, provavelmente, por estar mais distante das normatizações e do controle da Metrópole portuguesa”, diz.

Em meio a tantas peculiaridades, a São Paulo da época apresentava uma grande semelhança em relação ao restante da América Portuguesa: a miscigenação. O controle oficial fazia-se pouco efetivo no que diz respeito às relações inter-raciais. Práticas de concubinato abundavam e a escassez de mulheres brancas ocasionou um grande número de relacionamentos entre homens brancos e mulheres indígenas. A São Paulo da época se desenvolveu à margem do processo de colonização lusa, desenvolvendo uma cultura e um modo de vida bem peculiares. Bastante pobre e rústica, a cidade da garoa conheceria ainda muitas gerações até se tornar a metrópole de hoje.

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