ISSN 2359-5191

26/09/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 90 - Educação - Faculdade de Ciências Farmacêuticas
Projeto de extensão busca integrar conhecimento à grade curricular de crianças
Coordenadora pensa em parcerias com as Secretarias de Educação das cidades atendidas

São Paulo (AUN - USP) - Ensino, pesquisa e extensão são os três pilares de universidades públicas como a USP. As aulas e estudos mais aprofundados sobre determinado assunto são elementos que estruturam as atividades dessas universidades. Cultura e extensão sempre foram definidas como atividades em que alunos e professores devolviam mais diretamente à sociedade o investimento feito por ela. Porém, nos últimos anos, a visão sobre esses projetos mudou.

“Você amadurece, vê outro estilo de vida, completamente diferente do seu. Eu nunca tinha feito um trabalho social antes. No começo, você vai achando que vai ensinar muito para aquelas pessoas e, no fim, acaba aprendendo tanto ou mais do que elas”. É assim que Marcelo Akutagawa, aluno do quarto ano e ex-coordenador das Jornadas Científicas para Acadêmicos de Farmácia e Bioquímica (JCAFB), define a sua experiência nesse projeto de cultura e extensão da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF).

Mais do que prestar de serviços, projetos de cultura e extensão promovem a troca entre os integrantes da comunidade USP e de tantas comunidades espalhadas pelo país. Cada unidade de ensino da Universidade desenvolve projetos relacionados à sua área de conhecimento.

Na FCF, as Jornadas Científicas prestam serviços voluntários de assistência farmacêutica à comunidade de uma cidade carente e propicia aprendizado científico e humanitário aos alunos. Como ocorre em outros projetos de cultura e extensão, as JCAFB promovem a interação e cooperação entre alunos (responsáveis por gerir o projeto) e professores (que dão apoio e supervisão técnica).

As Jornadas, idealizadas pelo professor Mário Guimar Peres, começaram em 1964 com o desenvolvimento de pesquisas de campo no litoral de São Paulo, a partir do trabalho voluntário de alunos e docentes da FCF. As JCAFB foram pioneiras ao detectar os primeiros focos endêmicos de Schistosoma mansoni (platelminto transmissor da esquistossomose) no litoral paulista. Com o passar dos anos, elas cresceram e começaram a pesquisar outras parasitoses em cidades fora de São Paulo.

Segundo a professora Primavera Borelli, uma das atuais coordenadoras do projeto, na década de 1970 foram implantadas de atividades educacionais em creches e para a população: palestras e aulas sobre temas como higiene pessoal, hábitos de saúde e meios de contaminação. A participação da USP no Projeto Rondon reduziu a procura dos alunos pelo projeto na década de 1980. Devido aos esforços de André Masson e outros alunos da FCF, as Jornadas voltaram efetivamente em 2002.

Hoje, há uma média de 42 vagas. Em 2011, houve 136 inscritos. O JCAFB conta com a doação de empresas como Merck, Roriba e Roche, responsáveis por fornecer equipamentos e materiais utilizados na parte laboratorial.

O trabalho começa antes da viagem, que geralmente ocorre nas últimas semanas de janeiro. Após cada Jornada, são escolhidos os coordenadores do projeto no ano seguinte. Pensar no processo de treinamento e nas atividades para a comunidade, estabelecer o contato com as empresas que doam materiais e equipamentos, ir à cidade escolhida para checar a infra estrutura: essas são algumas das inúmeras tarefas dos coordenadores. “Cuidamos das Jornadas, mas não podemos nos esquecer da graduação e de atividades que fazemos. É trabalhoso, mas não trocaria essa experiência por nada”, afirma Thaissa de Mattos Faria, aluna secundarista da FCF e uma das coordenadoras do Jornadas de 2012, que ocorrerá em Canitar (SP).

Os “jornadeiros” (alunos participantes do projeto) viajam anualmente, durante 20 dias, para uma cidade carente – escolhida a partir do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desde 2002, a cidade escolhida recebe o projeto por quatro anos. “Achamos importante voltar à cidade para dar continuidade ao projeto e ver o progresso do nosso trabalho”, afirma Borelli.

Os alunos ficam alojados em escolas públicas cedidas pela Prefeitura da cidade e se dividem em duas equipes: campo e parasitologia. Na primeira, separados em duplas, eles visitam casas em diferentes áreas da cidade. Cada dupla visita três vezes em torno de dez famílias e estabelece os horários de visita para cada uma delas. Em “parasitologia”, os alunos montam o laboratório onde passarão o dia preparando e analisando as amostras recolhidas para exames. Os laudos laboratoriais são emitidos por Alice Hermínia Serpentino, responsável técnica integrante das Jornadas.

Nos fins de semana, são realizadas as “campanhas”: exames nos integrantes da comunidade. As campanhas se dividem em duas categorias: diabetes/hipertensão (aberta a toda população) e anemia (voltada para as crianças selecionadas). Os jornadeiros apresentam os resultados às famílias, orientando-as sobre as doenças e hábitos saudáveis (alimentação, atividade física). São feitos rodízios para que cada jornadeiro participe de todas as etapas.

Segundo Primavera, a divisão permite desenvolver tanto a parte humanística quanto a técnica. “No campo eles conversam com as famílias e ouvem suas histórias. No laboratório, eles devem ter cuidado com os equipamentos e com as amostras. Além disso, há toda a parte logística: organização do alojamento, das palestras e a convivência em grupo. É um desafio que exige muito comprometimento e responsabilidade”.

Houve novidades nas Jornadas 2010, em Córrego Fundo (MG). Uma delas foi a capacitação de profissionais de saúde da cidade. Segundo Akutagawa, isso foi importante, pois esses profissionais direcionaram o trabalho dos jornadeiros, dizendo quais áreas estão mais deficitárias na cidade. “Nessa cidade, eles nos pediram para dar palestras sobre depressão, problema cada vez mais freqüente entre os moradores”.

Outra novidade foram os “jornadeiros mirins”. Após desenvolver as atividades educativas com crianças, os jornadeiros lhes entregam um certificado. “É como se estivéssemos deixando uma sementinha na comunidade”, diz Thaissa. O projeto quer estabelecer parcerias com as Secretarias de Educação das cidades para integrar os conhecimentos da jornada e a grade curricular dos alunos. “É importante aplicar esse conhecimento ao cotidiano deles e continuar a jornada dentro da sala de aula”, afirma.

Além da proposta educativa, o JCAFB tem forte potencial interdisciplinar. Thaissa diz que eles gostariam de chamar outros profissionais para participar. “Vai ser muito legal integrar outras áreas, como educação física, psicologia e nutrição, e deixar o trabalho mais completo. O projeto é maleável, está aberto a mudanças, mas temos que pensar com calma e organizar bem”.

Segundo os depoimentos dos jornadeiros, disponíveis também no blog do projeto, conhecer essa realidade é uma das experiências mais importantes das Jornadas. “Queria ficar rico, foi a educação que recebi a vida inteira. Depois das Jornadas, vi que dar atenção para uma pessoa pode mudar a vida dela. Não sei ainda a área que desejo seguir, mas agora sempre penso: ‘Será que vou ser útil para alguém e não só para mim?’. As Jornadas mudaram o meu conceito”, conta Akutagawa, que não participará das Jornadas 2012 porque acha importante dar espaço para que outros vivam essa experiência: “Alguém precisou sair para eu entrar no projeto. Agora, é a minha vez”.

A professora Primavera conta um pouco o que as Jornadas significam para ela: “Sempre acreditei que o contato com o indivíduo é essencial, é nele que se faz a diferença. As JCAFB revigoraram minhas convicções”. Para ela, é possível ter contato com pessoas em qualquer hospital, mas ele é diferente quando você vai até a casa das pessoas, vê como elas vivem e conversa com elas.

No segundo semestre, começaram os treinamentos dos futuros “jornadeiros”. Apesar do trabalho, Thaissa diz não trocar a experiência por nada. “Não consigo mais ver um vidro de HCl como uma simples amostra de laboratório. Agora, penso em uma pessoa e lembro que aquilo se refere à saúde dela”.

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