São Paulo (AUN - USP) - O governo brasileiro não se preocupa em preservar um dos quatro maiores fenômenos da bioluminescência do mundo, que acontece na região do Cerrado. No extremo norte do Mato Grosso do Sul (MS) existem os “Cupinzeiros Luminosos”, reconhecidos internacionalmente pela comunidade científica do ramo da bioquímica, que estão sendo destruídos para darem espaço para a monocultura latifundiária de soja.
Os Cupinzeiros Luminosos consistem em cupinzeiros de até 2,5 metros de altura que servem de habitat para as larvas fêmeas de um inseto, que possuem pares de lanternas ao longo do abdômen. A larva, semelhante a uma lagarta, cava redes de túneis com pequenas janelas no cupinzeiro para depositar seus ovos, e durante a noite coloca a cabeça e o tórax brilhante para fora emitindo uma luz fluorescente verde para atrair outros insetos que lhe servem de alimento.
O fenômeno é observado principalmente no período de setembro a dezembro, em noites quentes e úmidas. As larvas fazem com que a paisagem fique com chamativos cupinzeiros com centenas de pontos luminosos, como se fossem árvores de natal acesas. E a luz emitida atrai formigas, cupins e mariposas que conseqüentemente também atraem sapos e pássaros em busca de alimento. Desse modo os Cupinzeiros Luminosos formam ecossistemas próprios com cadeias alimentares diversificadas e complexas.
Na 28ª Semana de Química do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo, o pesquisador Etelvino Bechara explicou que a bioluminescência consiste na emissão de luz visível por organismos vivos. Ele, que é especialista no tema, com pós-doutorado na Universidade de Harvard nos EUA, detalhou que o processo se dá por meio de uma reação química: a oxidação do substrato Luciferina na presença da enzima Luciferase, resultando emissão de luz verde com o rendimento de 45%. Bechara ainda observou que a luz é fria porque não há dissipação de calor na reação, o que é perceptível ao se tocar a lanterna de um vagalume ou pirilampo, por exemplo. As funções biológicas principais dos pirilampos do cupinzeiro são a atração de presas por suas larvas e a sinalização de machos e fêmeas alados durante o acasalamento.
Os Cupinzeiros Luminosos são alvo de estudos do pesquisador há mais 25 anos. Ele tentou criar uma área de preservação chamada “Santuário de Vagalumes”, na Fazenda Santo Antônio, localizada perto do Parque Nacional das Emas em 1980-1990. O projeto não foi adiante porque o proprietário da fazenda Santo Antônio, no município de Costa Rica (MS), que abriga uma área com alta densidade de cupinzeiros luminosos, se negou a ceder a terra e não houve nenhuma intervenção governamental. Segundo Bechara, nem mesmo da então deputada federal Márcia Kubitscheck, a quem pediu apoio na época, porque era filha do fundador do parque, Jucelino Kubitscheck.
Além dos cupinzeiros, existem apenas mais três grandiosos fenômenos bioluminescentes no mundo, reconhecidos pela comunidade científica. Um deles são os cardumes de peixes-lanterna no Mar Vermelho, que utilizam a luz para se comunicarem e não se perderem do restante do cardume. Em Porto Rico existem os dinoflagelados bioluminescentes no mar, visitados por milhares de turistas na Baía de San José de Puerto Rico, que são algas unicelulares e tornam grandes trechos das ondas do Caribe azul fluorescente. E há também as moscas fluorescentes no teto das nas cavernas de Waitomo, na Nova Zelândia, e do litoral leste da Austrália.
O Brasil é reconhecido como berço geográfico de muitas espécies de vagalumes e outros insetos bioluminescentes. Esses animais já foram citados nos tratados históricos dos tempos coloniais, em que o colono Gabriel de Souza os descreve em 1587, por meio de carta para o rei Filipe II de Portugal e Espanha, no período em que os dois países constituíam a União Ibérica. Gabriel os chamou de “mamoá” (vagalumes) e e “buijejá” (trenzinhos), nomes usados pelos indígenas da Bahia. Os vagalumes também aparecem na literatura, citados por escritores consagrados como Machado de Assis em seu poema Ciclo Vicioso, e Graça Aranha em Canaã, ao descrever uma mata tipicamente tropical, numa noite úmida.
Depois de expor todo o valor ecológico e químico dos fenômenos bioluminescentes, Etelvino Bechara lamentou: “Infelizmente o governo brasileiro ainda não deu a devida atenção para os Cupinzeiros Luminosos, o que poderia criar uma rota nova de turismo ecológico para a região”.