ISSN 2359-5191

13/10/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 97 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
EAD produz montagem de texto britânico com a turma 60

São Paulo (AUN - USP) - “É duro dizer isso, Lette, mas você é feio”. É com essa frase de impacto que o personagem passa a ter noção dessa incômoda verdade que nunca ninguém lhe havia dito em O homem feio, texto que está sendo montado pela turma 60 da Escola de Arte Dramática (EAD).

O texto, inédito no Brasil, é de autoria de Marius Von Mayenburg, dramaturgo alemão radicado no Reino Unido e que vem ganhando destaque no cenário internacional como um dos mais importantes nomes da nova dramaturgia. O homem feio foi montado em 2007 no Royal Court, em Londres, tendo sido a sensação do ano. Talvez por abordar um tema que esteja em voga no mundo contemporâneo – a estética como divisora de águas nas decisões do cotidiano – o texto encantou André Pink, professor da EAD que, após 14 anos na Inglaterra veio passar por uma temporada de trabalhos no Brasil. “Quando assisti a montagem inglesa, em 2007, fui imediatamente atingido pela inteligência do texto, do tema abordado, sua força que eu diria quase fabular, além da simplicidade e do naturalismo da imagem. E isso se reflete também em nossa montagem”.

Em cena, cinco atores, alunos do segundo ano da EAD, vestem trajes escuros, completamente sóbrios. O cenário escolhido pelo grupo é completamente minimalista, utilizando um grande telão branco onde são projetadas luzes e sombras. Apenas ao final da peça, quando as cenas se passam no exterior de um prédio, uma cortina de espelhos desce do teto refletindo tanto os atores quanto os espectadores. A sobriedade escolhida pelo grupo ressalta o trabalho corporal dos atores em seu preparo – três dos cinco atores se revezam entre seis personagens, mantendo o mesmo figurino. Os elementos utilizados em cena remetem a diversas fases da história da arte e da estética pop, do bufão ao grotesco, passando por ícones do desenho animado e do mundo da moda.

O preparo e a pesquisa do grupo foram bastante intensos. Os alunos da EAD, após sua formatura, precisam participar de um processo de estágio, uma espécie de produção própria onde são dirigidos por um diretor convidado. André Pink conta que já estava retornando para Londres quando foi convidado pela turma 60 para dirigir o estágio de cinco atores. Após topar o desafio, ele pediu a amigos britânicos que lhe enviassem propostas de textos a serem encenados. O grupo, que já havia tido uma experiência com a dramaturgia inglesa por meio da obra de Anthony Neilson – As peças Realismo e O maravilhoso mundo de Dissocia foram encenadas pela turma 60 em sua formatura – se interessou pela proposta teatral apresentada por Marius Von Mayenburg. Apesar de bastante reconhecida no exterior, a obra desse dramaturgo ainda não tem destaque no Brasil e, por isso mesmo, não se encontram traduções de suas peças. Mediante esse desafio, Pink e o grupo de atores arregaçaram as mangas e, em quatro dias, traduziram para o português dois dos textos de Mayenburg.

À partir daí, não só os nomes dos personagens mantiveram os ares britânicos. “Tal qual é feito na Inglaterra, ensaiamos a peça nos moldes de lá, em períodos integrais, de segunda a sábado, por seis semanas”, comenta Pink. Apesar do tempo restrito, o resultado foi extremamente positivo. Os atores em cena apresentam os tipos caricatos idealizados por Mayenburg sem exageros, e a sobriedade do palco só realça a construção de cada personagem. “O preparo técnico deles é incrível, sempre fico impressionada toda vez que vejo uma montagem deles”, comenta Beatriz Bittencour, aluna do primeiro ano de Artes Cênicas que, apesar da suposta rivalidade entre os alunos da graduação e do curso técnico, reconhece as qualidades dos colegas da EAD.

Sobretudo, o que cativa o espectador na peça, além da qualidade dos atores e da montagem, é a atualidade do tema. Ao se deparar com a afirmação de sua feiúra, Lette, o protagonista, passa a buscar um meio qualquer de se tornar bonito – e recorre, sem surpresas, à cirurgia plástica. A partir daí, o personagem passa por um conflito de identidade quando deixa de se reconhecer e passa a enxergar diversas faces iguais à sua pela rua, todas obras do mesmo cirurgião plástico (ou “um artista, um escultor”, nas palavras do próprio Dr. Scheffler, o cirurgião em questão). “Ao nos debruçarmos sobre o texto, fiquei impressionado com a quantidade de referências que temos na cultura contemporânea” comenta Pink. “Do super homem de Nietzsche ao Michael Jackson, passando pelo seriado Nip/Tuck, pelo conto do patinho feio, enfim, tudo isso traz à tona a história da estética como uma relação de poder”, completa o diretor. Não raro, todas essas histórias encontram uma moral parecida com o desfecho de O homem feio. Mas se para Lette a descoberta maior é que ele só seria feliz sendo ele mesmo, tal afirmação não pode se aplicar aos recém-formados da EAD. Para o grupo, a realização plena se encontra inegavelmente quando eles incorporam outras pessoas em cima do palco.

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