São Paulo (AUN - USP) - “Frenética”, “individualista” e “cética” são alguns dos adjetivos que poderiam caracterizar a sociedade atual. Vidas cada vez mais caóticas estão produzindo indivíduos mais preocupados com a satisfação pessoal e, portanto, mais impacientes, aflitos e descrentes. Para José Machado Pais, sociólogo e professor da Universidade de Lisboa, essa “onda” de depressão e descrença que parece pairar sobre a sociedade é fruto de uma disritmia entre as expectativas criadas em torno do futuro e os percursos que a vida toma. “Os diferentes ritmos de andamento das coisas, como se os futuros imaginados fossem denegados pela realidade, geram ansiedades de idade, nas quais se espelha uma pressa pelo futuro”, declara. Será que ainda existe, então, alguma esperança no futuro?
Convidado a apresentar palestra pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP na última quarta-feira (19), o professor acredita que essa situação tem criado duas patologias: uma síndrome melancólica e uma síndrome maníaca. A primeira atingiria principalmente os idosos, que costumam carregar muitos arrependimentos e sentimento de resignação. Já a síndrome maníaca apareceria sobretudo nos jovens, que “acabam por reproduzir comportamentos maníacos e obsessivos no presente, seja por culpas trazidas do passado ou por impotência em relação ao futuro”. Um exemplo desses comportamentos seriam os vícios em drogas e álcool.
José Machado identifica a crescente desestruturação das fases da vida como uma das causas desse descompasso entre expectativa e realidade. Há alguns anos, fatos como o abandono da casa dos pais ou a obtenção de um emprego eram claramente identificados como marcadores da passagem da juventude para a vida adulta. Hoje, os limites destas fases estão bem mais flexíveis e até mesmo irrelevantes. A vontade de se tornar adulto entra em conflito com as dificuldades acarretadas com a maior carga de responsabilidade que a acompanha. Esse deslumbramento de uma “nova vida” logo cai por terra, provocando tensões psicológicas, que podem fazer germinar preocupação e desmotivação frente ao futuro.
Para explicar sua opinião, o professor usa dados da Europen Social Survey, pesquisa que mapeia comportamentos e crenças nas diversas populações da Europa. Quanto à questão da passagem para a vida adulta, a pesquisa dividiu os jovens em quatro grupos. O primeiro deles é o dos jovens “destandartizados”, ou seja, que dão pouca ou nenhuma importância a esses marcadores de entrada em uma nova fase da vida. O grupo dos individualistas engloba aqueles que valorizam a emancipação através do ingresso no mercado de trabalho e da saída da casa dos pais. Os familiaristas, encontrados predominantemente nos países de forte presença do catolicismo, veem no casamento ou na maternidade/paternidade o fator que lhes deve tornar adultos. Por fim, os “standartizados”, mais normativos, consideram fundamental que a transição para a vida adulta seja marcada por um grande acontecimento.
Os resultados da pesquisa refletem claramente alguns acontecimentos recentes. José Machado aponta, por exemplo, os protestos na Espanha em maio deste ano. Milhares de manifestantes, em sua maioria jovens, foram às ruas reivindicar pacificamente melhores condições de vida e exigir uma “democracia real”. Essa movimentação, em uma visão mais simplista, nada mais é do que uma tentativa de alterar um futuro cada vez mais nebuloso, desestruturado e sem perspectivas de melhora. Os jovens, ainda que satisfeitos em algumas áreas de suas vidas, carregam uma “frustração relativa”: sentimento que surge como um saldo negativo entre o reconhecimento que eles têm e o que eles gostariam de ter. São, por exemplo, jovens de alta formação acadêmica, como mestres e doutores, que não recebem o prestígio que almejam.
Dentre as inúmeras maneiras de se escapar das decepções corriqueiras, o professor cita dois caminhos mais comuns: a dedicação à arte e a devoção à religião. A arte é o meio pelo qual muitos jovens procuram um novo sentido à vida, mesmo que ilusório. Já a fé na religião costuma ser mais fervorosa em idade mais avançada: a Europen Social Survey constatou que, entre os católicos praticantes de Portugal, sua maioria é constituída de idosos. A pesquisa também mostra que esses religiosos possuem o seguinte perfil: não veem sentido na vida ou só acreditam em um “graças a Deus”; não são felizes; não acreditam em futuro; acham o mundo um lugar cheio de maldade e pecado; e são fatalistas.