São Paulo (AUN - USP) - Em conferência na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o professor Peter Burke, da Universidade de Cambridge, discutiu a existência de uma história da esperança. De acordo com ele, a complexidade do tema começa com a pluralidade do termo, por tratarem-se de “esperanças”, no plural. “Pessoas diferentes esperam por coisas diferentes, de acordo com a época e a conjuntura social e cultural em que vivem”, afirma o acadêmico.
Para ele, os sonhos, assim como as consequências do ato de sonhar, estão diretamente relacionados com a sociedade de que o indivíduo faz parte. As esperanças parecem surgir a partir do momento em que há necessidade de compensação pelo que não se encontra na sociedade e, então, abre-se espaço para ações e eventos em busca de mudanças.
Além dessas diferenças, há também esperanças de proporções e alcances diversos. Segundo Burke, as esperanças “grandes” envolvem sonhos para a humanidade, para a construção de um mundo melhor. Já as “pequenas” tratam de desejos para uma vida melhor para um indivíduo apenas ou, no máximo, para sua família, seus amigos. Essas distinções não só são úteis para definir a dimensão das esperanças, mas também para mensurar os atos provenientes dessa situação.
O ponto em comum, no entanto, é a organização desses desejos sempre para a mobilização de pessoas em torno das mudanças que se buscam. “Os momentos de euforia coletiva, que culminam em revoluções, acontecem não porque as coisas estão ficando piores, mas porque as esperanças estão crescendo”, afirma Burke.
Ele usa como exemplo o histórico europeu e momentos como a Revolução Francesa e a Revolução Russa, em que a população começou a ver o futuro como algo maleável, que pudesse ser mudado por ela mesma. A esperança é “liberada” uma vez que se inicia o movimento coletivo de considerar a história humana como algo que deve se orientar para o futuro, não se guiar pelo passado.
O místico e a esperança
Por outro lado, há as esperanças baseadas, primordialmente, em mudanças que não partiriam da própria população, mas por algum meio sobrenatural. Ele inclui nesse grupo os movimentos messiânicos ocorridos no Brasil (Contestado e Canudos), México (com Emiliano Zapata à frente), Portugal (a volta de Dom Sebastião), Grã-Bretanha (com o Rei Artur). Eles dizem respeito a pessoas que se sentem oprimidas e esperam para serem “libertados”, para encontrarem salvação.
Em alguns casos, pode servir de explicação para esses acontecimentos um fator social importante, que é a invasão ou inclusão de europeus em outras partes do mundo. Essas migrações causaram, não raro, a desarticulação de sistemas e organizações sociais inteiras, o que trouxe insegurança e o sentimento de abandono. Nesse contexto, o aparecimento de um líder carismático e “místico”, por exemplo, transmitia a sensação de que algum movimento contra essas mudanças teria mais chances de alcançar o sucesso.
Burke explica que essas esperanças, no entanto, tinham certa “data de validade”. “É justo se questionar por que os movimentos messiânicos não acontecem sempre, mas apenas em determinados momentos da história”. Há tempos de esperanças, cada uma concentrada em algum aspecto da sociedade em que se instala num certo período.