São Paulo (AUN - USP) - “O Brasil precisa repensar a maneira como estuda sua biodiversidade”, diz Manuela Carneiro da Cunha, professora-emérita da Universidade de Chicago. Pensando nisso, ela entregou, em conjunto com outros dois especialistas, uma proposta de programa ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) que pretende impulsionar a colaboração entre cientistas e não acadêmicos na região amazônica.
Manuela, que é ex-chefe do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o país deve pensar em como fazer a junção entre potencialidade e desenvolvimento da colaboração entre cientistas, acadêmicos e não acadêmicos.
A proposta inicial é que o Rio Negro, no Norte do país, seja o destinatário do projeto piloto. Lá, deve ser estabelecido um programa com vários editais ao ano para formar redes de pesquisa que contem com a participação das populações locais e tratem de temas estratégicos para a região.
“Essas redes devem ser repensadas, tanto na formulação das questões pesquisadas quanto na divisão das verbas”, explica Manuela. As áreas de pesquisa sugeridas pelos autores do projeto foram a biodiversidade, os produtos da região com potencial interesse comercial, o conhecimento ecológico, clima, florestas e águas.
A professora inaugurou, com sua palestra, o ciclo de conferências “Curt Nimuendajú”, organizado pelo Centro de Estudos Ameríndios (Cesta) da USP, criado oficialmente há poucos meses. O objetivo é formar um espaço destinado aos principais expoentes do americanismo e homenagear um de seus principais heróis: o etnólogo Curt Nimuendajú, que, entre outras coisas, realizou 46 expedições no Brasil e entrou em contato direto com mais de 40 povos indígenas.
Conhecimento tradicional
Para a pesquisadora, é evidente para os antropólogos, mas não para todos os especialistas, que o conhecimento científico não é um acervo fechado, que pode ser resumido em um inventário. “Fazer inventários é justamente pensar que a coisa está paralisada, que o acervo é finito”, aponta. “Se os conhecimentos são sistemas em produção, há que se pensar em como mantê-los em funcionamento e não só em aproveitá-los, validá-los pela ciência”, explica a professora.
Manuela conta que essa é a primeira dimensão do programa que propôs: estimular os sistemas de produção de conhecimento e impulsioná-los para o futuro. A proposta já foi apresentada ao MCT e tem, inclusive, orçamento votado, mas ainda não possui garantia de ir para frente.
Biodiversidade
Segundo a professora, é preciso dar uma atenção especial à ciência, tecnologia e inovação na região da Amazônia. Para isso, as pesquisas devem levar em conta as especificidades da área e a necessidade de se manter a floresta em pé. “Não há uma Embrapa da floresta. Para um programa como esse, que pensa em agregação de valores a produtos compatíveis com a manutenção da floresta, você precisa do conhecimento tradicional”, afirma.
O Brasil tem posição privilegiada para a criação de um programa como esse, já que é um dos 17 países megadiversos e um quinto da biodiversidade mundial está em seu território. Outra vantagem é a sociodiversidade da população brasileira que mora nas florestas, que é muito maior do que em outros países. “Tudo isso significa, para o projeto científico, uma vantagem imensa”, conclui.