São Paulo (AUN - USP) - Apesar do proibicionismo que recaí sobre diversas drogas no Brasil, o álcool é a substância que ainda se mantém a salvo e lubrifica as relações sociais no cotidiano de cada um. Foi ao observar a presença massiva da bebida e o papel que ela ocupa atualmente na vida dos paulistanos que Bruna Escaleira, aluna do 5º ano de Jornalismo, descobriu a matéria-prima para produzir o documentário Pileque – Gerações entre umas e outras.
O documentário foi produzido como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Bruna. A princípio, a estudante queria discutir a questão de todas as substâncias entorpecentes no mundo contemporâneo, comparando a situação atual das substâncias legalizadas com o consumo das substâncias ilícitas. Durante o início da pesquisa, ela conta que passou a observar com mais atenção o consumo de bebidas alcoólicas entre colegas e parentes, e decidiu focar seu trabalho nesse assunto. “Queria contar a história do hábito de beber entre os paulistas, revisitar suas origens e passear pelas décadas entre umas e outras, mas logo tive os pés puxados de volta para o chão pelo meu orientador, afinal, era assunto demais pra 30 minutos de filme”, comenta Bruna.
À partir daí, Bruna passou a buscar, dentro da amplitude do tema, o que mais a interessava. Após diversas pesquisas, a estudante descobriu que não queria fazer um documentário que abordasse as complicações decorrentes do consumo de bebida alcoólica, mas sim traçar um panorama desse consumo entre as gerações e buscar entender os motivos que levam as pessoas às mesas de bar.
Embasamento acadêmico
Ao buscar referências sobre o assunto dentro da Universidade de São Paulo, Bruna se deparou com o professor Henrique Carneiro, do Departamento de História Moderna da USP. Carneiro é coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre História da Alimentação, das Bebidas e das Drogas (NPHABD); e um dos fundadores do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip). Segundo a estudante, o professor foi o responsável por chamar a atenção de dois fatores bastante importantes no assunto. O primeiro deles dizia respeito a quantidade da bebida – Carneiro alega que, ao contrário do que prega o pensamento hegemônico, o consumo da bebida hoje em dia é bem menor do que em outras épocas. De acordo com as pesquisas do Neip, durante o século XIX o consumo de álcool per capita era 19 vezes maior do que hoje. O outro fator diz respeito a aceitação social do álcool em detrimento a outras substâncias – o professor estabelece uma relação entre o álcool e o cristianismo, uma vez que a bebida sempre fez parte dos rituais cristãos, enquanto outros psicoativos eram relacionados a religiões pagãs e orientais.
Esses, entre outros fatores, levaram Bruna a escolher uma abordagem bastante honesta sobre o hábito de beber entre as pessoas. Sem a intenção de moralizar ou apontar culpados, o documentário busca mostrar a manutenção desse tipo de consumo como uma característica intrínseca ao homem dentro de uma conjuntura específica. O hábito de beber entre os paulistanos está presente em pelo menos quatro gerações que são contempladas no documentário, havendo apenas mudanças na maneira ou na finalidade do consumo.
Isso não quer dizer, entretanto, que o trabalho não reconheça as complexidades do tema e os malefícios que o consumo excessivo da bebida acarreta. “O consumo descontrolado do álcool é um dos maiores problemas da sociedade atual; e é também indissociável da nossa cultura. Ele é a principal substância eleita para o lazer hoje no Brasil, e a busca pela “fuga da realidade” através de substâncias psicoativas é uma característica humana natural. Por isso, é preciso ampliar o debate sobre as formas de controle dos riscos que envolvem o consumo excessivo do álcool sem, no entanto, proibir seu consumo autoritariamente”, conclui Bruna.