São Paulo (AUN - USP) - Os estudos brasileiros têm grande relevância no que diz respeito a Eça de Queiroz, são bem aceitos e citados por portugueses, ingleses, franceses. Mesmo a crítica seminal, que resume sua produção de forma categórica, é respeitada e colaborou na canonização do autor. “Ele teve uma recepção mais ‘interessante’ no Brasil do que em Portugal. O primeiro livro publicado sobre ele aqui precedeu a publicação de uma crítica no seu país de origem, que só ocorreu cinco anos depois”, afirma Cristiane Tolomei, autora da pesquisa. A primeira adaptação para o teatro também foi realizada no Brasil, baseada em O primo Basílio.
Por outro lado, a obra de Eça contribuiu na revolução da leitura, como toda obra realista, ao abordar a falência de instituições (casamento, igreja, família), a educação da mulher, o declínio da sociedade do fim do século 19. O choque inicial foi superado e uma nova tendência pareceu se consolidar a partir do final do século XX e início do XXI. Os livros da “segunda fase” queirosiana, A cidade e as serras, A ilustre casa de Ramires, entre outros, começaram a receber mais atenção dos leitores e dos críticos, tornando-se leitura obrigatória de diversos vestibulares pelo país.
Desde a primeira análise exponencial realizada por Machado de Assis sobre a obra O Primo Basílio em 1878 até as publicações mais recentes sobre a vida e a obra do escritor português Eça de Queiroz, o estudo revelou duas tendências principais da crítica queirosiana: o momento seminal, que lançou as primeiras diretrizes acerca dos escritos de Eça que, ainda hoje, são tomadas como fundamento da imagem mais vulgarizada do autor no Brasil; e o momento da inovação, que está constituído por textos com um forte posicionamento crítico-social, surgido na década de 1950. O doutorado Eça de Queirós e os brasileiros teve como foco os livros da primeira metade do século XX, sem levar em consideração revistas, jornais e outras publicações que discutiram o tema.
As duas correntes
Para Cristiane, a visão de Machado de Assis abriu margem para que o escritor português tivesse maior receptividade de leitores e críticos. O primeiro livro sobre Eça no Brasil e no mundo, Eça de Queiroz: a obra e o homem, de 1911, escrito por Miguel Mello, além de apresentar um estudo biográfico sobre o autor, também traz uma reflexão a respeito da polêmica divisão da obra queirosiana nas chamadas fases “realista” e “madura”. Os brasileiros começam a analisar o que o autor produziu tomando por base fatos de sua própria vida, como sua aparente desilusão com a modernidade e, depois, sua reconciliação com a pátria.
Essa corrente crítica foi tão expressiva que ecoa até os dias de hoje, quando muitas das pesquisas sobre o escritor ainda seguem as ideias do momento seminal. Além disso, “o que é transmitido sobre Eça de Queiroz em escolas e cursinhos é um reflexo direto dos críticos de então”, diz Cristiane.
No entanto, após as comemorações do centenário de nascimento do autor, em 1945, outra maneira de ver a obra do português desponta no meio acadêmico brasileiro. O biografismo é deixado de lado por intelectuais como Antonio Candido, Paulo Cavalcanti e Arnaldo Faro e abre-se espaço para uma análise mais fechada em cada livro.
Novos temas começam a dominar a crítica, há abertura para o exame das descrições nos romances e a relevância dos trabalhos que Eça produziu como jornalista. Visões sociológicas, observação do simbolismo e do narcisismo e comparações com outros autores – até mesmo com os escritos do inglês Oscar Wilde – propõem uma leitura alternativa do escritor.