ISSN 2359-5191

04/05/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 25 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Contradições entre Semana de 22 e Brasil do início do século 20 são debatidas em evento

São Paulo (AUN - USP) - Que os modernistas apresentaram em 1922 um ambicioso projeto de renovação da arte e da cultura brasileiras, todos sabem. E o contexto da Semana da Arte Moderna, qual era? O evento Cidade Natureza Ciência, realizado pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) como parte do seminário 90 anos da Semana de Arte Moderna: debates, se encarregou de traçar um panorama da situação social do País.

Para isso, foram convidados os professores Fraya Frehse (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-FFLCH-USP), Carlos Alberto Ferreira Martins (Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos-IAU-USP) e Lilia Schwarz (FFLCH-USP). A mediação foi feita por Jaime Tadeu Oliva, docente do IEB.

Especialista na abordagem antropológica do espaço urbano, Fraya abordou a vida na cidade de São Paulo a partir de três registros: Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, notícias de fatos diversos do jornal O Estado de S. Paulo e fotografias de ruas da época.

Comparando o romance de Mário com a abordagem do Estadão, a professora destaca que a obra do modernista aborda uma porção menor da cidade: bairros como Vila Guilherme, por exemplo, não são mencionados. Já as fotografias de Aurelio Becherini registram ausências: Fraya destaca a ausência de mulheres, negros e mendigos nos retratos da São Paulo das décadas de 1910 e 1920.

A exclusão também esteve presente na fala da professora Lilia Schwarcz. A docente expôs um trabalho ainda não concluído que parte de Lima Barreto para mostrar a abordagem científica do fim do século XIX e início do século XX para a questão racial.

“O Brasil, no contexto da Semana de 22, era um Brasil dividido, fraturado, na minha opinião”, diz Lilia. “O resultado foi a condenação de setores da sociedade, como negros, mestiços e imigrantes, esses grupos que a Fraya disse que aparecem pouco nas fotografias. Eles aparecerão muito nas revistas médicas e de direito nessa época.”

A abolição, ocorrida em 1888, ainda era um evento recente no período em que surge o modernismo brasileiro. Lilia destaca dois aspectos resultantes dessa proximidade: o medo da reescravização, constante entre os negros naquela época, e o isabelismo, culto à figura da Princesa Isabel pelo entendimento de que a Lei Áurea tinha sido um processo nominal e não social. “Ela [a Princesa] incorpora o Estado. Ele não aparece aí como uma expressão de organização social. Princesa Isabel é o Estado, como Pedro II foi o Estado e Vargas será o Estado.”

Nesse contexto, Lima Barreto, escritor mulato que viveu no Rio de Janeiro, é um caso emblemático. “Ele não é um testemunho da sua época. Ele é um termômetro: mostra as falácias da modernidade, as violências das práticas sociais e dos costumes importados”, declara Lilia. Internado duas vezes por problemas mentais, o próprio escritor denunciou o racismo existente na sociedade. “A capacidade mental dos negros é discutida a priori e a dos brancos, a posteriori.”

Já Ferreira Martins apresentou um panorama sobre a história da arquitetura moderna no Brasil. Ele destacou a existência de lacunas no que chama de “narrativa dominante” do tema:. “Onde é que está a cidade?”, questiona, referindo-se à ausência da questão urbanística nos livros que tratam de arquitetura.

Uma proposição explícita sobre a cidade só surge com Flávio de Carvalho, em 1930. “A cidade do homem nu, de evidente tom antropofágico, advoga a necessidade de pensar uma metrópole tropical para o homem do futuro”, explica o docente.

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