São Paulo (AUN - USP) - Apesar de não criticar o modelo da UnB (Universidade de Brasília), que utiliza cotas de critério somente racial, Kabengele Munanga, professor do Departamento de Antropologia da USP, acredita que o mais adequado seja aplicar cotas que possibilitem a mais setores excluídos da sociedade o acesso ao ensino superior.
“Não é muito certo dizer se o modelo da UnB é adequado ou não é. A UnB escolheu o critério étnico-racial, que não cruza com o critério socioeconômico. Basta o aluno ser negro, pouco importa a classe social de onde ele vem. Essas universidades todas que ingressaram nas cotas são universidades dirigidas por intelectuais brancos, não são os negros que dirigem. Se esses intelectuais, através de seus conselhos universitários, órgãos das universidades, acham que esse é o critério, dentro da autonomia, pode melhorar, eu acho que é um direito que ele tem. Então eu não tenho nenhuma crítica a fazer quanto ao modelo da UnB.”, diz o professor.
Kabengele participou do segundo dia de debates da audiência pública sobre políticas de acesso ao ensino superior, promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para dar base à votação sobre a constitucionalidade das cotas raciais, que ocorreu no final de abril. A votação se mostrou de importância após o DEM (Partido Democrata), ter movido uma ação contra as cotas alegando sua inconstitucionalidade perante as leis brasileiras, além de outras duas movimentações jurídicas parecidas.
A UnB defendia que o caráter constitucional de seu modelo provinha da Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata realizada em Durban (África do Sul), em setembro de 2001. Mas, apesar de o Brasil ser signatário de suas resoluções, elas não têm função de lei no País. Com a decisão do STF, que foi favorável às cotas por unanimidade, não apenas a UnB tem seus sistema aceito legalmente, mas qualquer outra universidade pode implementar o sistema de cotas raciais, levando outros fatores em conta ou não. Se o STF decidisse como inconstitucional, não haveria mais as políticas de ações afirmativas de caráter ético nas universidades.
Para Kabengele, a discussão sobre as cotas, em si, também teve resultados positivos. “A questão era uma coisa discutida mais na universidade e na academia. Ela entrou hoje no tecido social, a mídia, setores da sociedade hoje são alertados contra o racismo brasileiro graças a esse debate sobre cotas.” O professor acredita que a sociedade brasileira ainda tem muito a aprender sobre seu próprio racismo e que apenas a aceitação de que ele existe e é um grande problema social permitirá solucioná-lo. “Antes as pessoas estavam mais presas ao mito da democracia social, com os debates sobre cotas, as pessoas estão abrindo os olhos”, diz.
Para o professor, as cotas devem ser acompanhadas de uma educação suplementar para os alunos que estudaram em escolas de periferia e não têm as mesmas chances de continuar a estudar, seja por deficiência educacional ou má situação econômica. A universidade de Berkeley, na Califórnia, que foi uma das primeiras a adotar as cotas, implementou um sistema como esse. Estrutura de acolhimento, de acompanhamento, bolsa de estudos e formação complementar são alguns dos pontos em que o professor pensa que as universidades poderiam investir.
Quando questionado sobre como se sente por ser um dos únicos professores negros da USP e, mesmo assim, não ser nem sequer brasileiro ou ter estudado no País, Kabengele diz se sentir muito triste. “A mim me deram simplesmente a oportunidade que eles não deram aos estudantes afrodescendentes” . E completa: “Eu me pergunto se eu tivesse nascido aqui se eu teria chegado onde cheguei”.