São Paulo (AUN - USP) - No dia 31 de maio, a VIII Semana de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) contou com um debate em torno da propriedade intelectual que colocava em questão a pergunta “A quem pertencem as ideias?”. O evento é realizado anualmente pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais (Ceupes), com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão e de empresas como o jornal Le Monde Diplomatique. Nessa edição, o tema proposto foi “Saberes em questão: as relações entre produção de conhecimento, poder e política”. A reflexão acerca do conhecimento teve uma ampla abordagem, levantando aspectos do tema que tinham ligação com a antropologia, a cibernética, a política e outras áreas.
A mesa, que discutiu a respeito do pertencimento das ideias, incluia quatro convidados de distintas áreas de atuação no meio social. Diferentes desdobramentos e visões acerca da propriedade intelectual foram colocados durante o encontro. Dentre os convidados, estava o sociólogo Sérgio Amadeu, atual professor da Universidade Federal do ABC, que defende o software livre e a inclusão digital no Brasil. Sérgio expôs em sua fala os pontos prejudiciais da “guerra de patentes” à disseminação e ao desenvolvimento do conhecimento na sociedade contemporânea. Também estavam presentes dois membros do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual, Newton Silveira e Balmes Garcia, além do produtor do grupo musical O Teatro Mágico, formado em Ciências Sociais pela USP, Gustavo Anitelli.
Os povos indígenas no sistema de Direitos Autorais no Brasil
O professor de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) Mauro de Mello Leonel Júnior apontou, em sua apresentação, pontos problemáticos em relação ao direito dos índios à propriedade intelectual. A partir de comentários sobre um texto de sua autoria cujo título é Biosociodiversidade, preservação e mercado, Leonel expôs a vulnerabilidade da relação entre natureza e sociedade no País, a qual é atravessada por diversas dificuldades ligadas à relação preservação-mercado. Tal afirmação se verifica na frequência do uso indevido de recursos provenientes de áreas indígenas.
O professor explica o conhecimento cultural milenar de povos tradicionais como os indígenas é alvo comum do biomercado. Um dos mecanismos que fragilizam esse repertório é a chamada proteção ao conhecimento in situ, que significa “no lugar”. A partir dessa lógica, os laboratórios que transformam determinado produto retirado da área indígena alegam ter posse sobre o mesmo. Segundo Leonel, o discurso da indústria passa pela noção de que, a partir do momento em que aquela espécie animal ou vegetal obtém um valor agregado, ela não mais pertence à floresta ou aos índios, mas pode ser considerada uma criação de laboratório, que geralmente contou com altos investimentos. “Você nunca vai ganhar de uma história dessas”, comenta o especialista, a respeito do poder desse setor.
Segundo ele, a dificuldade também está em discernir “quanto vale o saber milenar, quem vai pagar por isso, por que iriam pagar, quem vai ter força política para impor no mercado tal situação?”. E ironiza: “Se nem catador de lixo ganha para reciclar no Brasil, imagina um índio na floresta”.
O desafio principal está, então, em descobrir formas de garantir que essas populações e o País saiam ganhadores e recompensados, de alguma forma, tanto pelo lado da preservação tradicional, quanto pelo lado do mercado em expansão. Mesmo diante dessas duas forças que se mostram tão contrastantes no âmbito dos direitos do índio, o professor insiste que haja a busca por uma relação mais equilibrada e consciente. Para ele, há um “mau valor da sabedoria indígena”, que têm mostrado ao mundo “como é que se preserva”. “Nenhum deles anda morrendo de fome”, diz Mauro ao comentar o atual crescimento populacional do índio, tanto no Brasil, como nos Estados Unidos.
O professor conclui dizendo que o saber indígena é subaproveitado, e que há de se compreender que as suas formas de uso e entendimento da natureza não são redutíveis a certas características do sistema de mercado praticado nos dias atuais, como a propriedade intelectual privada e o comércio de elementos culturais.