São Paulo (AUN - USP) - A cartilha higienista ainda está presente nas escolas, afirma a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Leny Magalhães Mrech. Práticas como a busca pela identificação precoce dos alunos que apresentam problemas e a crescente medicalização das crianças são vistas pela professora como resquícios da ideologia higienista, que encantou os médicos brasileiros no início do século 20.
Desde 2006, a professora vem desenvolvendo uma pesquisa sobre a articulação entre a psicanálise, a educação e a ideologia higienista. A pesquisa, que recebeu o título de Contribuições da Psicanálise à Educação Infantil: da crítica da educação moral higienista a uma proposta ética de atuação na educação inclusiva, é divida em duas partes: a primeira retoma a implantação da psicanálise no Brasil e suas contribuições para a educação; a segunda parte busca identificar práticas higienistas que ainda persistem na educação infantil por meio de um levantamento feito na Escola Municipal de Educação Infantil Dr. Gabriel Prestes.
Psicanálise, educação e higienismo
Segundo Leny, a articulação entre educação e psicanálise era vista como complicada pelo próprio Sigmund Freud (1856-1939) devido às “características normativas” da educação. O caso brasileiro é, portanto, singular, pois desde a sua implantação no País, a psicanálise esteve ligada à educação.
As ideias de Freud foram trazidas para o Brasil em 1903, pelo psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Juliano Moreira (1873-1932), que propôs que a psicanálise fosse utilizada como forma de tratamento dos internos do Hospício Nacional de Alienados.
Na década de 20, a partir da publicação da tese de Francisco Franco da Rocha (1864-1933) – A Doutrina Pansexualista de Freud – e da fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise (1927), houve uma crescente preocupação com a formação dos analistas brasileiros e um esforço para implantação da teoria psicanalítica no ensino superior. Durval Marcondes (1899-1981) teve um papel importante nesse processo, introduzindo um curso de especialização para a formação dos “psicologistas”.
Nesse mesmo período, a ideologia higienista também mobilizava os psiquiatras brasileiros. Em 1923, foi fundada a Liga Brasileira de Higiene Mental, cujos objetivos eram a assistência dos doentes mentais, a prevenção de doenças e a educação dos indivíduos. Já nessa época, a psicanálise o e higienismo entravam em conflito, principalmente pela maneira como a ideologia higienista via as classes populares: como portadoras de uma degeneração moral.
A partir da criação da Seção Escolar de Higiene Mental (1938), junto ao Setor de Saúde Escolar, em São Paulo, investiu-se na identificação das “crianças-problema” e foram instituídas as classes especiais para aqueles que apresentassem distúrbios mentais. Os professores eram instruídos a enfatizar não apenas aspectos da educação formal, mas, principalmente, os valores da educação moral e sanitária. “A educação não aparecia como um eixo prioritário, mas como instrumento para que fossem dados os conteúdos da educação moral e sanitária”, afirma a professora.
Vitória do higienismo
De acordo com as pesquisas de Leny, o higienismo ainda persiste nas escolas. A medicalização, que a professora classifica como “brutal”, das crianças que apresentam distúrbios de aprendizagem ou depressão, o esforço para identificar o mais rápido possível os alunos problemáticos e a concepção de beleza propagada pelas revistas são exemplos de práticas higienistas ainda presentes no ambiente escolar.
A professora deixa claro que o problema não está no uso da medicina, mas na “paranoia da prevenção” e em situações em que se espera a “mágica do remédio” e afirma que a psicanálise se antepõe ao crescente processo de medicalização da sociedade.