São Paulo (AUN - USP) - As constantes mudanças nas perspectivas pedagógicas atualmente não deixam dúvidas sobre a superficialidade com a qual, muitas vezes, lidamos com um campo de fundamental importância para o nosso mundo: a educação. Cada situação é diferente e exige uma profunda reflexão, de modo que não existe uma teoria pedagógica capaz de abarcar toda a complexidade e responsabilidade que a tarefa de educar exige.
A tese de doutorado intitulada A Educação na Esteira da Crise Política da Modernidade: uma análise a partir das reflexões de Hannah Arendt, defendida na Faculdade de Educação da USP (FE) por Wanderley José Deina, buscou fundamentar o texto A crise da Educação, de Hannah Arendt, em que a autora faz, em poucas páginas, uma crítica bastante radical a vários aspectos da educação moderna.
Deina demonstra que Arendt se preocupa, acima de tudo, com as crianças, os recém-chegados pelo nascimento ao nosso mundo, em quem deposita toda a sua esperança de que dias melhores, realmente, virão.
Os problemas da modernidade
A partir da Revolução Científica, em que a ciência deixou de estar tão atrelada à filosofia, houve uma mudança de mentalidade que promoveu uma ruptura com a tradição. Desta forma, a modernidade acabou por inaugurar uma nova relação do homem com o tempo. “Até um determinado momento na tradição do pensamento ocidental havia uma relação mais estável, na medida em que o passado era uma referência para aquilo que os homens faziam no presente. A partir do momento em que se entra na modernidade, tanto do ponto de vista da ciência quanto da política, o futuro passa a se tornar essa referência”, explica Deina. Essa quebra da tradição muda tudo nas relações educativas, uma vez que os modelos herdados do passado deixaram de iluminar os dilemas do presente.
A leitura de Arendt sugere que após a modernidade, a humanidade passou a caminhar apressadamente e, mesmo sem saber exatamente para onde se dirigia, começou a dar passos cada vez mais largos. Dessa forma, uma nova concepção de mundo foi criada artificialmente e a humanidade destinou-se a ser fabricada em bases desvalorizadoras do pensamento e incentivadoras da racionalidade instrumental. Essa instrumentalização se refletiu também na educação, de modo que o mundo passou a se ordenar de uma maneira em que a espontaneidade e a possibilidade de realizar o inesperado se tornaram cada vez mais escassas, de modo a excluir tudo o que não estiver pressuposto logicamente em uma teoria científica ou doutrina política, o que de certa forma pode significar a morte de toda a humanidade.
A crise na educação
“É realmente chocante quando se leem as críticas de Arendt. Ela é muito dura em relação a muitas coisas que se faz em termos de educação a partir da modernidade”, comenta Deina. No entanto, aqueles que estão diretamente envolvidos com a educação das crianças, pais e professores, precisam refletir melhor sobre a questão. “Uma das teses que Arendt sustenta no texto é que a crise na educação na modernidade extrapola as fronteiras do campo específico, daí a necessidade de se buscar fora dessa área onde é que estão os problemas que vão repercutir no campo da educação”, completa Deina.
Apesar da sua importância para o mundo e para os que nascem todos os dias, não é na educação que encontraremos a solução para a crise geral que nos acomete na atualidade. Na educação, é necessário apresentar o mundo aos recém-chegados, de modo que não lhes seja imposto sua aparência futura, pois além de lhes tirarmos as suas próprias escolhas, acaba-se por destruir a esperança que cada nova geração traz consigo.
“(Arendt) É uma autora fascinante. Quando você começa a conhecer um pouco mais dela, você percebe o imenso comprometimento que ela tem com o mundo, com a política, com a educação, com a questão do resgate da responsabilidade das crianças no mundo”, afirma Deina, que acredita que, apesar de tudo, todos estamos no mundo e, por isso, ainda que as coisas estejam postas de tal forma a apontar uma visão pessimista acerca do futuro, é preciso manter a fé e a esperança de que nem tudo está perdido.