São Paulo (AUN - USP) - André Singer, cientista político, Cyro Garcia, um dos fundadores do PT e atual presidente do PSTU-RJ, e Tales Ab'Saber, autor do livro Lulismo, cultura pop e cultura anticrítica, discutiram, em um encontro repleto de divergências, aspectos da história do Partido dos Trabalhadores e a importância de Lula nas mudanças pelas quais ele passou. O debate ocorreu no dia 12 de setembro,, durante a mesa Do petismo ao lulismo: o PT ontem e hoje no Simpósio Internacional: a esquerda na América Latina, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
O ponto de partida do debate foi o traçado histórico e o dissenso sobre o momento em que o PT deixou de ser um partido radical para “assinar o pacto conservador”, como definiu André Singer. Para o cientista político, esse momento ocorreu publicamente durante as eleições presidenciais de 2002, quando foram incorporados à campanha de Lula os preceitos da Carta ao Povo Brasileiro, divulgada em junho daquele ano. A Carta, além de afirmar as propostas da campanha de Lula em relação às demandas sociais, foi um atestado de que o PT, se eleito, não entraria em confronto com o livre-mercado global e o sistema capitalista.
Em contraposição, Cyro Garcia defende que essa virada à moderação ocorreu gradualmente ao longo da década de 90, enquanto o partido foi ganhando representatividade parlamentar e se burocratizando. “O PT começou a mudar quando deixou de expulsar membros por estarem à direita para expulsar os que defendiam ações de ruptura, como aconteceu com a Convergência Socialista em 1992, que apoiou o ‘Fora Collor’ quando a posição oficial do partido era omissa em relação à questão”, explicou Garcia. Para defender sua tese, ele citou a atuação dos sindicalistas petistas que participaram dos processos de privatização de empresas estatais durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e elegeu as eleições de 1994 como momento crucial dessa mudança gradual, quando o PT passou a aceitar doações de pessoas jurídicas para suas campanhas.
A partir do abandono do radicalismo em favor da moderação, o PT trilhou o caminho que o conduziu ao lulismo, política estabelecida durante o governo Lula (2003-2010) que, ao mesmo tempo, não confrontou os interesses do capital e ativou o mercado interno a partir de classes mais baixas. O resultado disso foi outro motivo de discordância entre os participantes do debate. Enquanto Singer defende que essa política foi efetiva na diminuição da desigualdade na distribuição de renda no Brasil, Garcia e Ab'Saber concordam que ela é simplesmente assistencialista e mais colabora para a manutenção da miséria e transformação dos cidadãos em consumidores do que, de fato, diminui as desigualdades.
Tales Ab’Saber destacou a importância do ícone Lula para o sucesso do governo petista – Lula terminou seu segundo mandato com 80% de aprovação – e definiu o ex-presidente como possuidor de um carisma hegemônico, pop, que possibilitou a aceitação da política conservadora do PT por todas as classes. “Lula comandou um grande processo de aceitação da hegemonia da cultura de mercado no Brasil e essa política só funcionou junto às classes mais baixas devido a um pacto simbólico em torno da figura do Lula”, explicou Ab’Saber, que também é psicanalista e professor da Unifesp.
Polarização PT x PSDB
Um último ponto polêmico foi o impacto do lulismo no atual programa político do PT e em que medida a polarização política entre PT e PSDB é real. Novamente, Ab’Saber e Garcia se contrapuseram a Singer defendendo que já não há diferença política estrutural entre PT e PSDB, que ambos defendem os interesses do capital, apenas com algumas diferenças em questões pontuais. “A diferença de projeto entre PT e PSDB não existe, o que existe é disputa de governo”, defendeu Garcia. Tales Ab’Saber explicou que os projetos políticos de PT e PSDB se aproximaram quando o governo Lula optou por integrar as parcelas mais pobres da população pelo ingresso no mercado consumidor e nesse sentido, ocupou o espaço do partido tucano. “O PSDB foi amplamente superado por ter seu projeto implementado pelo PT, que colocou em prática a integração social pelo mercado com um potencial político que o PSDB não tinha”, explicou o psicanalista, que ainda ressaltou: “E essa implementação só funcionou devido à figura do Lula.”
Singer, por sua vez, acusou a existência de uma diferença nítida de projeto político entre o PT, mais voltado à intervenção estatal, e o PSDB, voltado ao interesse de mercado. “A política do PT não é neoliberal, embora tenha se aproximado dos interesses do mercado. Existe uma polarização social intensa no Brasil, mas ela não se expressa politicamente, o PT adotou uma estratégia de evitar o confronto político, uma estratégica que não trabalha com a mobilização social”, explicou o cientista, justificando a aparente semelhança entre os projetos dos dois partidos.