São Paulo (AUN - USP) - A captação de recursos sempre foi um grande entrave no surgimento e desenvolvimento de grupos de teatro no Brasil. A pequena amplitude do teatro comercial, reservado para as grandes estrelas e grandes espetáculos importados, e as dificuldades para conseguir um patrocínio duradouro e que não interfira na produção dos grupos reduz drasticamente as possibilidades de atuação dos profissionais da área.
O surgimento de políticas públicas de financiamento foi acompanhado pela opção majoritária pelo modelo indireto de repasse de verbas estatais. O exemplo mais notório desse modelo é a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91) – a Lei Rouanet –, que permite a pessoas físicas e jurídicas aplicarem parte do Imposto de Renda em ações culturais. Uma alternativa a esse modelo é o financiamento estatal direto, em que o Estado repassa verbas diretamente a produções culturais por meio de editais. Uma lei nesse modelo foi criada em 2002 para financiar grupos de teatro paulistanos, a Lei Municipal de Fomento ao Teatro (Lei nº 13.279/02).
A diferença entre esses dois modelos é definitiva para a sobrevivência de grupos independentes de teatro. Como muitos desses grupos realizam projetos de forte cunho político, que questionam os sistemas político e econômico e vão contra os ideais das grandes empresas, eles ficam à margem do sistema de financiamento indireto, que os submete ao crivo dessas empresas.
Dorberto Carvalho, diretor da Cooperativa Paulista de Teatro, que ministra o curso Modos de criação e produção no teatro de grupos da cidade de São Paulo, promovido pelo Núcleo de Estudos Teatrais Décio Almeida Prado, do Centro Ángel Rama, vinculado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, defende a necessidade de um financiamento estatal para projetos independentes: “Não existe patrocínio de empresa, existe arbítrio de empresa. Mesmo no financiamento indireto, quem patrocina é o governo, que não pode delegar a escolha dos projetos beneficiados ao mercado”.
Nesse cenário, a Lei de Fomento torna-se a única possibilidade de captação de recursos da maioria dos grupos de teatro da cidade de São Paulo, que não estão envolvidos em grandes produções e não possuem renda de bilheteria. “A Lei de Fomento é um marco da política pública, que surge no contrafluxo do neoliberalismo estatal. É uma ilhazinha social-democrata no marzão liberalista”, explica Carvalho. Mais do que simplesmente financiar projetos de espetáculos, a Lei possibilita aos grupos construir trabalhos de pesquisa continuados, que nem sempre resultam em espetáculos, mas permitem o desenvolvimento artístico dos membros e o surgimento de um processo de criação estendido. Segundo o diretor, essa é outra possibilidade que as leis de incentivo por renúncia fiscal não englobam, porque não possui um produto final apresentável ao público, mas que contribuem para o desenvolvimento do teatro enquanto arte.
A garantia de um orçamento anual, que foi de mais de R$ 8 milhões em 2011, provocou uma proliferação de grupos de teatro na capital paulista. Segundo Carvalho, o crescimento não se deu apenas em número, mas também em qualidade. “Se na época da implantação da Lei, em 2002, tínhamos 30 grupos permanentes com projetos de qualidade para receber financiamento, hoje temos pelo menos uns 200.”
O sucesso da implementação da Lei de Fomento ao Teatro, no entanto, não aplacou todas as dificuldades da produção teatral paulistana. Devido ao crescimento e surgimento de novos grupos, a verba destinada pela lei, corrigida anualmente pelo índice da inflação e que não recebeu aumento, ficou pequena. “Mesmo dentro do Fomento, os grupos atualmente se encontram emparedados. Tem muito grupo bom que não consegue a verba e não pode executar os projetos. Ao mesmo tempo, as escolas de teatro vão despejando bons profissionais, mas não existe mercado que os absorva”, pontua o diretor.