São Paulo (AUN - USP) - Em 1971, o médico-cientista americano Moses Judah Folkman notou que os tumores cancerígenos que tinha de remover de seus pacientes sempre eram alimentados por vasos sanguíneos formados a partir de tecidos adjacentes. Reportou entãoao New England Journal of Medicine que os tumores eram dependentes da angiogênese, processo de formação de novos vasos a partir dos já existentes durante a vida adulta.
Foi uma importante descoberta. “Se o câncer depende da angiogênese para sobreviver, modulá-laé uma maneira de combater a doença”, declara Ricardo José Giordano, professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP (IQ). Giordano coordena estudos focados em biologia vascular e procura entender os mecanismos moleculares envolvidos na formação de vasos sanguíneos para a manipulação de medicamentos seguros e eficazes que atuem sobre este processo quando o mesmo faz parte de uma patologia.
O câncer é uma massa de célula que cresce de maneira desregulada no organismo, mas que também precisa de oxigênio. Ele envia sinais para um tecido vizinho de maneiraa induzir a angiogênese e atrair um vaso em sua direção para alimentá-lo. O principal sinal utilizado para isso é a secreção da proteína VEGF (Fator de Crescimento Endotelial Vascular, traduzido do inglês), que se difunde, encontra o vaso sanguíneo e faz com que ele comece a migrar em direção ao tumor. “Entender a comunicação que existe nisso tudo é um de nossos alvos”, explica Giordano. “Estudamos essas proteínas para tentar achar substâncias inibidoras que interfiram na atuação delas quando quisermos.”
A inibição da angiogênese não é capaz de eliminar o câncer de uma vez por todas. Ela não mata o tumor, mas o sufoca e impede que cresça. O correto é combiná-la com uma quimioterapia. “Serve como um tratamento adjuvante. Não resolve, mas facilita”, diz o professor.
Mesmo com as descobertas de Judah Folk mantendo mais de três décadas de existência, os primeiros medicamentos angiogênicos chegaram ao mercado apenas em 2004. É um campo novo. “O que a gente observou, no entanto, é que essa primeira geração de medicamentos não foi tão eficiente quanto gostaríamos”, declara Giordano. Segundo ele, nem todos os tumores responderem às drogas, e outros desenvolveram resistência a elas. Além disso, os efeitos colaterais foram maiores do que se esperava. “O VEGF é tão essencial que, quando você o afeta através destes medicamentos, atinge também os vasos normais. Foi uma surpresa, pois neles a proteína é produzida em quantidade muito pequena.”
O desafio agora é encontrar uma molécula que tenha uma importância muito grande na angiogênese, mas que não afete outros vasos. Em seu laboratório, que tem três anos de existência, Giordano utiliza camundongos como modelo para mimetizar doenças e estudá-las. “Montamos também uma biblioteca com enorme quantidade de peptídeos catalogados”, conta. “Assim, podemos, por exemplo, pegar os receptores de VEGF e procurar por um peptídeo que se encaixe neles e que possa ser um inibidor.”
O professor ressalta que, para conseguir desenvolver fármacos, ainda levará algum tempo. “O laboratório é novo. Ainda estamos em um processo de identificação e catalogação de substâncias. Até o final do ano, porém, já esperamos ter várias candidatas para o desenvolvimento de medicamentos.”