São Paulo (AUN - USP) - Ângela de Castro Gomes, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), apresentou nessa quinta-feira, 1º de novembro, sua pesquisa mais recente no seminário Intelectuais mediadores e a escrita de uma história ensinável, como parte da programação do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
A pesquisa, ainda em curso, se desenvolve no campo da historiografia e pretende entender uma concepção da disciplina história baseada na sua finalidade, em que cada campo do conhecimento deve servir a algo. Essa concepção era a mais difundida no período definido como recorte de estudos, o final do século 19 e início do século 20, início do período republicano no Brasil. “À história, mais do que a outras disciplinas como a sociologia, caberia, numa nação republicana, falar a um público muito maior, como criadora de uma cultura política republicana”, aponta a pesquisadora, indicando a finalidade desejada para a história naquele momento.
Segundo Ângela, com a Proclamação da República, surgiu um interesse de propagar a história do Brasil a todos os brasileiros. Não apenas de simplesmente de propagá-la, mas de atrelar essa propagação a um sentimento de amor à pátria e à criação de uma identidade nacional, de um cidadão brasileiro republicano. “Uma identidade nacional não se faria sem conhecimento de um passado histórico comum. Uma nação republicana precisaria ter como seu chão não apenas um território e uma língua, mas um passado, fundamental para demarcar sentimentos de pertencimento”, explica.
Como desejava-se que o ensino da história atingisse a população como um todo, era preciso que ela se expandisse para além da academia e das escolas, que atingiam uma parcela muito restrita da população. “Torna-se nesse momento, uma preocupação e uma ocupação dos intelectuais e historiadores expandir o discurso histórico, como uma forma, inclusive, de intervenção política e social”, indica a pesquisadora, que se ocupa em seu estudo de práticas pedagógicas afastadas da escola e voltadas para o grande público, boa parte dele iletrado.
Uma dessas práticas, escolhida para análise, foi o material biográfico e a produção midiática de Viriato Corrêa, escritor e historiador brasileiro. “Escolhi o Viriato, porque ele me permitia atravessar o tempo. Ele começou a trabalhar no início do século 20, era escritor de literatura infantil e literatura histórica para o grande público e foi crescentemente se engajando num trabalho de divulgador do conhecimento histórico”, explica Ângela. Viriato Corrêa alcançou um grande público com suas produções por duas frentes: o público infanto-juvenil pela literatura e os adultos pelo teatro.
Apesar da presença constante e representativa de Viriato Corrêa em jornais e revistas, com colunas e crônicas, além de peças e livros escritos, Ângela de Castro Gomes optou por avaliar sua produção de programas de rádio, em específico, o programa “História de Chinelo”, veiculado na Rádio Nacional durante a década de 1950. “Nessa época, Viriato já havia escrito muito em jornais, revistas e romances, já havia realizado várias experimentações de formato e conteúdo, por isso a opção pelos programas dessa década, quando ele já tinha um estilo consolidado, que ele considerava eficaz”, justifica a pesquisadora. Na época, o rádio era a mídia mais difundida entre a população e a Rádio Nacional era a de maior audiência. O programa “História de Chinelo manteve-se no ar por três anos, diariamente, à exceção dos domingos, e em horário nobre, denotando a importância que se dava à temática.
O programa trata basicamente da história do Brasil republicano, com foco maior na história do Rio de Janeiro e na história do teatro, buscando sempre um formato e um texto que agradem ao grande público. “Ele constrói uma possibilidade narrativa pelo diálogo, atuando como mediador intelectual, que separa a 'grande história', dos grandes feitos e nomes, e uma história política e social que incorpora costumes e o cotidiano”, explica a pesquisadora, que considera que se essa proposta de aproximar a história do público não tivesse tanta ressonância na época, não teria ficado tanto tempo no ar em horário tão valorizado.
O sucesso alcançado pelos livros, peças de teatro e programas de rádio de Viriato Corrêa o coloca como um grande responsável pela difusão da história entre a população, a despeito de jamais ter sido considerado um grande literato. “Viriato Corrêa foi um intelectual mediador. Mediador cultural é aquele que recorre aos recursos que estão no horizonte do seu público, amplo e diversificado. O intelectual que investe na divulgação do conhecimento não é da vanguarda, por isso não será reconhecido como inovador nas letras”, conclui Ângela.