Os praguicidas, assim como qualquer substância ingerida pelo homem, têm seus valores de Ingestão Diária Aceitável (IDA) estabelecidos cientificamente. A IDA é a estimativa da quantidade de um resíduo que a população pode adquirir diariamente. Deste modo, se os praguicidas forem consumidos acima desta quantidade-limite, podem trazer efeitos adversos à saúde. A comparação entre os valores de IDA de praguicidas estabelecidos no Brasil e nas agências internacionais, bem como a avaliação crítica dos parâmetros para esta determinação, foram os objetivos da dissertação de mestrado da farmacêutica Lígia Mesquita Sampaio do Amaral com título Análise crítica dos valores de ingestão diária aceitável estabelecidos para praguicidas no Brasil, em relação às agências internacionais e à agência de proteção ambiental americana, e suas implicações na avaliação de risco.
O estudo, inicialmente, apontou as principais agências internacionais que determinam a IDA de praguicidas: a US EPA (United States Environmental Protection Agency), dos Estados Unidos, a EFSA (European Food Safety Authority), da Europa, e o JMPR (Joint Meeting Pesticide Residues), da OMS (Organização Mundial da Saúde). Depois comparou os índices estabelecidos por estas agências com os firmados no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para 65 praguicidas.
Os resultados demonstraram uma ausência de uniformidade no estabelecimento da IDA entre estas agências. Na comparação entre o Brasil e a OMS, 40 praguicidas (61%) têm IDAs iguais. Já entre o Brasil e a EFSA, os valores são iguais para 29 praguicidas (44%). Na última comparação, Brasil e Estados Unidos têm oito praguicidas (12%) com mesmo valor de IDA. Em uma perspectiva ampla, para as quatro agências, 44 praguicidas têm valores de IDA diferentes, cinco têm valores iguais e 16 não apresentam diferenças consideradas significativas.
Deste modo, o estudo constata uma falta de harmonização no julgamento científico da IDA de praguicidas e, também, o fato de que ela não deveria ser o único fator avaliado no momento de regularização destes. “Devem ser avaliados outros fatores, por exemplo, a relação risco-benefício e fatores sociais”, expõe Lígia.
Além disso, há também uma grande variabilidade nos parâmetros de estabelecimento da IDA entre as agências internacionais analisadas, o que acarreta a divergência de valores. Somente dois praguicidas, dos 65 avaliados, tiveram parâmetros iguais entre as agências. No caso do praguicida ciflutrina, por exemplo, as três agências internacionais além de divergirem no valor de IDA, divergem também em relação à espécie mais sensível. Deste modo, cada agência elege, como mais sensível, espécies totalmente diferentes como o rato, o cão e o camundongo.
No caso do Brasil, a Anvisa não publica os parâmetros de estabelecimento da IDA de praguicidas. Ou seja, não se sabe qual é a metodologia usada para chegar aos números expostos pela agência. Isto impossibilitou que o estudo fizesse uma análise crítica dos parâmetros utilizados no Brasil. “É importante que a Anvisa publique estes parâmetros para, justamente, ter uma transparência em relação às avaliações”, afirma Lígia. Além disso, as avaliações não são datadas. Deste modo, não se sabe, com certeza, se as IDAs dos diversos praguicidas são revisadas e atualizadas periodicamente.