O armazenamento do sangue de cordões umbilicais em bancos e as campanhas de marketing conduzidas por estes foram tema da palestra da farmacêutica Daniela D'Almeida Peres realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (FCF).
O sangue do cordão umbilical deve ser armazenado em condições adequadas para uso posterior (processo de criopreservação). Esta atividade é controlada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece as diretrizes para os bancos de armazenamento.
O sangue, criopreservado, pode ter dois usos futuros. O uso pela própria pessoa que armazenou (autólogo). E, quando outras pessoas podem usufruir do sangue armazenado, sendo elas parentes do doador ou não, tem-se o uso alogênico.
Hoje, há duas opções de locais para armazenamento. Os bancos privados, nos quais o armazenamento é feito mediante pagamento e que só permitem o uso autólogo. E os bancos públicos, que formam a Rede BrasilCord, financiados por entidades governamentais, nos quais o armazenamento é gratuito e o sangue é para uso alogênico.
Há alguns problemas decorrentes do uso autólogo, o único uso possível nos bancos privados. As principais aplicações dos transplantes de sangue de cordões umbilicais são em doenças de base genética. Deste modo, elas não podem ser tratadas com sangue de origem autóloga, porque a mesma bagagem genética será multiplicada. “O sangue é da mesma pessoa, tem a mesma base genética, deste modo não possui efeito”, explica Daniela.
Em alguns países, como França e Espanha, os bancos privados foram proibidos. “Os pesquisadores, em sua grande maioria, são contra os bancos privados e a favor dos bancos públicos”, afirma Daniela. Para ela, a proibição leva a uma série de problemas judiciais, pois alguns pais iriam querer armazenar o sangue só para o seu filho usar no futuro. “O melhor caminho é vistoriar e controlar estes bancos privados, de modo que eles não façam propaganda de um tratamento que não existe”.
A palestrante também defende uma maior divulgação dos bancos públicos. “A chance de encontrar um doador em um banco público é de 70% e, com mais doações, a tendência é só aumentar”, afirma. Para ela, “as mães devem entender que existe esta opção”. Deste modo, os bancos públicos seriam uma grande rede, com doação de diversas amostras, na qual o sangue que não tem utilidade para um doador pode curar outro. “Devemos pensar em ser altruístas, porque, neste caso, comprovadamente funciona”, opina.
Estatísticas e marketing
A farmacêutica fez um levantamento estatístico das coletas de bancos públicos e privados e constatou alguns desníveis. Hoje, os bancos públicos possuem aproximadamente 12 mil amostras e sua taxa de descarte é de 60%. Já os bancos privados possuem cerca de 46 mil amostras e sua taxa de descarte é de 3%. “A diferença do descarte se dá, principalmente, porque os bancos públicos não aceitam amostras com doenças infecciosas transmitidas pelo sangue, já os bancos privados aceitam, inclusive com HIV, desde que seja por vontade da mãe, afinal lá o uso é autólogo”, explica.
A palestra também abordou como são as campanhas de marketing dos dois tipos de bancos. No caso dos bancos públicos, as propagandas são quase inexistentes. Já nos bancos privados, Daniela aponta que “as propagandas são apelativas e colocam em jogo a questão da segurança do filho”. Muitas vezes, apelam para um conceito de seguro de vida, de garantir que o bebê tenha um desenvolvimento estável. “Falta ética na relação com os pais, que estão em um momento vulnerável”, critica.
Aplicações
O sangue dos cordões umbilicais é uma fonte de células-tronco adultas. Destas, 99% conseguem se diferenciar em todos os elementos sanguíneos, por exemplo, hemácias, leucócitos e plaquetas. São as células-tronco hematopoéticas. Já 1% pode se diferenciar em vários tipos celulares como neurônios e células do músculo cardíaco, compondo o grupo das células-tronco mesenquimais.
Mais de 60 doenças têm terapias aprovadas com o uso dessas células-tronco. Entre elas, leucemias agudas e crônicas, anemias e tumores sólidos. Há estudos experimentais para doenças como Alzheimer e Parkinson.
Além disso, o sangue dos cordões umbilicais é um dos meios de mais fácil obtenção de células-tronco. “E é uma fonte ilimitada, pois, anualmente, temos cerca de 135 milhões de nascimentos”, aponta Daniela. Outras vantagens do uso dos cordões umbilicais são o menor risco de rejeição e o apoio público, científico e religioso – o que não acontece com outras fontes de células-tronco, como os tecidos fetais. Como desvantagem, Daniela aponta os baixos volumes celulares coletados, que, muitas vezes, inviabilizam os efeitos terapêuticos das células-tronco.