Em um estudo feito ao longo de três anos com crianças, que no início deste processo cursavam a primeira série do Ensino Fundamental, a pesquisadora Renata de Oliveira Costa, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), chegou à conclusão de que as crianças tem uma capacidade de se apropriar de diferentes formas de linguagem informalmente. A habilidade de argumentação infantil se tornou foco principal e resultou na tese Pequenos Publicitários: a persuasão na escrita de crianças.
O processo
A partir de sua experiência na rede estadual de educação, que se iniciou em 2007, Renata pode observar e estudar os processos de aquisição da escrita das crianças. Depois de iniciações científicas e uma tese de mestrado que giravam em torno desse assunto, uma atividade em sala de aula lhe propiciou mais um tema de pesquisa: “Pedi aos meus alunos de primeira série que escrevessem uma carta solicitando um presente de Natal e, ao ler as cartinhas, fiquei surpresa com o quanto crianças pequenas podiam ser tão persuasivas para convencer seu interlocutor”.
A cada três meses nos anos que se seguiram ela realizou coletas de textos dessa mesma turma, com o objetivo inicial de verificar como crianças argumentavam, por escrita, com diferentes públicos. Devido a criatividade inesperada que foi observada em muitos textos, o viés foi se afunilando e a ideia do “ressoar” de Lacan se tornou o grande objeto de estudo.
A pesquisadora explica que o “ressoar” é relativo a maneira como a palavra pode tocar o outro, ou seja, se causa emoções e quais são elas. “Por incrível que pareça, os informantes, apesar de muito novos, conseguiram fazer isso em alguns dos seus textos, perceber isso foi surpreendente e gratificante”.
A linguagem publicitária
Ao longo da pesquisa, Renata notou que a maior ferramenta utilizada pelos alunos para convencer o leitor era a linguagem publicitária. Essa seria a maior prova de que elas tem a habilidade de se apropriar de formas de linguagem informalmente, pois essa forma de comunicação não é ensinada nas salas de aula. O que se pode constatar é que através do contato com a publicidade, principalmente televisiva, as crianças absorvem o vocabulário e as estruturas gramaticais utilizadas para persuadir alguém a fazer algo.
A maior prova disso foi conseguida em uma das coletas de material. Foi pedido que as crianças escrevessem um pequeno texto convidando a comunidade escolar a participar de uma feira de brinquedos usados, anunciando aqueles que fossem vender. “Meu nome é Bianca. Eu estou aqui para fazer um anuncio de 2 brinquedos uma boneca e um ursinho de pelucia. Vou anunciar primeiro a boneca, ela é um bêbê a cor dela é negra tem roupas e o melhor ela é novinha e só vai custar R$5,00. O ursinho de pelúcia é uma fofura pra você dormir agarradinho com ele e só vai custar R$7,00”.
Texto da aluna Bianca Carvalho, utilizada como exemplo pela pesquisadora.
Renata explica que é uma estratégia muito utilizada em comerciais televisivos que enaltecem as qualidades do produto e em sequência revelam o preço, que seria aquém do esperado. Ela também dá importância às palavras utilizadas para o urso de pelúcia: é sensorial, ou seja, ressoa e provoca no locutor a sensação de conforto ao “dormir agarradinho” com ele, ao contrário da propaganda da boneca, que foi muito mais descritiva.
Essa manifestação da linguagem publicitária, para a pesquisadora, é positiva. A educação formal de gramática e gêneros narrativos que ela considera “sem sal nem açúcar” não dá muita margem à inventividade das crianças, ao contrário da publicidade, que está cada vez mais inovadora. O fato de as crianças conseguirem se apropriar dessa linguagem mostra que há algum estímulo à criatividade delas e isso é benéfico.
Para além da pesquisa
Para Renata, seu trabalho indica que crianças pequenas conseguem realizar tarefas complexas e que o currículo do ensino fundamental poderia ser revisto. Além disso, ensiná-las como argumentar nessa idade também seria possível e importante, pois para ela “fazer as próprias palavras ressoarem está totalmente relacionado a aprender a escrever”. Ainda completa: “Aprender a persuadir é, também, aprender a escrever.”