A mulher violenta já não é mais retratada da mesma forma no cinema. Se até a década de 1990, elas eram vistas como masculinas quando estavam com uma arma na mão, hoje elas já podem ser guerreiras sem perder a feminilidade.
Foi o que concluiu a socióloga da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Carla Bernava. Ao analisar três personagens guerreiras do cinema atual, Nikita (Nikita), Lara Croft (de Tomb Raider)e Beatrix Kiddo (de Kill Bill), a pesquisadora observou que elas não dependem do uso de armas para se protegerem. Diferentemente das mulheres fálicas, como Thana (Sedução e Vingança) e algumas musas de Alfred Hitchcok, as quais dependem desses artefatos para se manterem violentas, esse trio consegue se sair muito bem em lutas físicas quando perdem o revólver, a faca ou a espada, não sendo, assim, transformadas em vítimas.
Thana, de Sedução e Vingança, ainda é uma mulher fálica e histérica
Se as personagens mais antigas, quando estão com uma arma ou uma faca, projetavam o órgão genital masculino – dando razão ao nome “mulheres fálicas” –, se apoderando por um tempo limitado de uma força que não é sua, isso não atinge essas novas heroínas. Principalmente Lara Croft. A guerreira de Tomb Raider utiliza-se de dois revólveres, o que, simbolicamente, seria o prolongamento de seus seios.
A pesquisadora também notou uma outra novidade trazidas por essas três personagens: elas não são inevitavelmente más ou histéricas. E também não se apoiam, necessariamente, em emoções para justificar sua violência. Elas são violentas e essa característica é inerente a elas. No entanto, elas ainda continuam com traços femininos: Nikita, ao longo da trama, torna-se frágil emocionalmente, Lara Croft usa-se de seu poder de sedução e Beatrix Kiddo, em Kill Bill, luta para vingar uma agressão à maternidade.
Para Carla, “a amostragem de mulheres mais ‘brutamontes’ no cinema contemporâneo demonstra como essa característica é passível de estar presente em qualquer indivíduo, mas que as sociedades patriarcais reprimem nas mulheres”. Essas personagens são transgressoras, pois se opõem ao estereótipo feminino de delicadeza e submissão, fazendo com que haja estranhamento por parte do público. Mesmo assim, elas conseguem conquistar a simpatia de quem as assiste. “Isso se deve por haver essa mistura entre violento e feminino”.
Apesar de ainda serem consideravelmente estranha, a representação de mulheres inerentemente violentas é de extrema importância, já que acaba por suscitar uma reflexão no espectador. “Pelo menos, ele (público) vê uma mulher agindo de maneira naturalmente violenta ou guerreira e começa a se acostumar com essa ideia, o que ajuda na desconstrução de estereótipos machistas”, conclui Carla.