Parte da licenciatura em Letras da Universidade de São Paulo (USP), a disciplina Metodologia do Ensino de Português I, ofertada pela Faculdade de Educação (FEUSP), dá a oportunidade aos alunos de estagiarem como monitores em escolas da rede pública de São Paulo. É no chamado Intercâmbio de Relatos em Docência (Inredo) que esses alunos compartilham suas experiências, apresentando os problemas enfrentados dentro e fora da sala de aula e incitando o debate sobre o ensino da língua portuguesa.
Proposta de ensino e realidade
As escolas estaduais e municipais, apesar de utilizarem quase sempre os mesmos materiais, não apresentam uma proposta de ensino única. Algumas copiam o que dizem os manuais da Secretaria de Educação, sendo assim mais conservadoras. Outras têm diretorias que propõem uma metodologia de ensino construtivista, que visa não só a aprendizagem de conteúdos formais mas também uma reflexão sobre eles e suas aplicações no dia a dia.
Porém, teoria e prática muitas vezes não se encontram. A estudante Livia Miranda relata que apesar de a escola onde cumpriu suas 60 horas de estágio posicionar-se de forma mais moderna, na sala de aula o que acontecia era o oposto. De acordo com ela, 80% das aulas de português eram baseadas em gramática e exercícios de repetição utilizando o que os educadores chamam de “frases soltas”.
Isso significa que análises gramaticais de frases sem contextualização são pedidas pelo professor. Para muitos dos presentes no Inredo, essa estratégia é falha pois não ensina ao aluno quais são os diferentes usos e funções dos vários tipos de oração, por exemplo. Ele não aprende a aplicar esse conteúdo teórico na escrita, além de não conseguir identificá-lo durante a leitura de textos.
Para completar, Livia ressalta que os conteúdos ensinados às turmas de primeiro ano do Ensino Médio eram de nível de Ensino Fundalmental. Por exemplo, as diferenças entre “porque”, “por que”, “porquê” e por quê”, ou quais são os usos corretos de algumas letras como “x”, “ç” ou de “ss”, foram tema de algumas aulas que ela monitorou.
A falta de um ensino aprofundado de literatura também foi destaque no discurso de Livia. Apesar de ter em seu calendário uma Semana Literária, que deveria envolver não só os professores de português quanto de outras disciplinas, uma discussão sobre obras brasileiras e os temas complexos que elas apresentam nunca foi feita. Capitães da Areia, de Jorge Amado, era um dos livros listados no evento e Livia disse que “nem a própria professora deve ter lido”.
Dependência no material didático
Uma característica que diversos estagiários observaram nas diferentes escolas das redes estaduais e municipais foi a dependência no material didático que os professores tem. Os governos federal e estadual fornecem, ou deveriam fornecer, um livro didático e uma apostila de exercícios para cada estudante.Os professores de português se prendem muito ao que está no livro, tendo em mente a necessidade de cumprir com o programa.
As dificuldades aumentam quando a escola impõe restrições ao uso desse material. Em alguns casos, os alunos não tem a permissão de levar o livro para casa, limitando a educação às paredes da escola. Em outros, não há material suficiente para todos.
O problema toma proporções ainda maiores quando a escola não recebe esse material. “Na escola onde eu fiz o estágio, não tinha o livro didático, somente o Caderno do Aluno. O professor baseou todas as suas aulas nele”, disse um dos estudantes. É importante ressaltar que o Caderno do Aluno é a apostila de cerca de 30 páginas composta por exercícios, longe de ser suficiente para preencher um ano de aulas.
Os obstáculos impostos pela falta de material são complementados pela falta de preparação e metodologia dos professores. Utilizar letras de músicas, trazer textos de apoio que não estão no programa e promover momentos de debate em sala, por exemplo, poderiam ser alternativas, porém os professores tem dificuldade para buscá-las.