São Paulo (AUN - USP) - “Por mais que a elite branca quisesse, já não era mais possível esconder a cultura negra do panorama nacional”. Essa é apenas uma das questões em que Magno Bissoli Siqueira se apóia, em sua tese de doutorado, para mostrar como o Estado Novo de Vargas utilizou a cultura do samba como ferramenta para manutenção e fortalecimento do poder político. Caixa Preta: samba e identidade nacional na Era Vargas mostra como o Estado Novo se utilizou de uma recente, porém progressiva, difusão da cultura do samba nas classes mais elevadas, deixando de ser essencialmente “negra” e “marginal”.
A tese defendida por Siqueira no departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, aborda a chamada ‘Era de Ouro’ do samba (décadas de 20 a 40), demonstrando como as invenções do disco e do rádio, o mercado musical crescente e a aceitação daquela cultura, até então essencialmente negra (periferia), pelo branco (centro), contribuíram para a imagem de Vargas, principalmente na capital brasileira, e, por conseqüência, no resto do país.
Embranquecimento e cumplicidade
Antes da década de 10, o samba era essencialmente negro. Com a descoberta da potencialidade comercial daquele ritmo pelo branco, sua propagação na cultura se inicia, apesar de lenta. Na década de 20, se intensifica com a difusão do rádio e dos discos. Mas, devido às suas raízes negras, o samba continua sendo uma “cultura proibida”, até que o Estado Novo utiliza essa cultura, que já passou a pertencer tanto ao cotidiano branco quanto ao negro, para encontrar apoio nas grandes mudanças políticas que realiza no período, como a instauração da ditadura, a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras alterações que fossem alvo de críticas na época.
O negro havia criado o samba. A elite branca afastava o negro para a periferia. O samba descia o morro e entrava no mundo burguês. Diante desse problema, Vargas “compactuava”, segundo Siqueira, com o “embranquecimento” do estilo musical. Apoiando essencialmente artistas brancos, o samba continuava com suas origens negras, porém composto e cantado por brancos, havendo cumplicidade na maioria da população. Dessa forma, Vargas “legalizou” o samba e ganhou apoio de pessoas oriundas de toda a pirâmide social carioca. Prova disso, segundo Siqueira, é que “a maioria dos ícones do samba, desde Ary Barroso e Noel Rosa até a geração de Chico Buarque, são brancos”.
Marcas do Estado Novo no samba
Porém, um dos motivos da anterior marginalização do samba, além de sua associação ao negro, era sua familiaridade com a figura do ‘malandro’. E justamente no período do Estado Novo, devido à ação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), os artistas que quisessem divulgar suas gravações sabiam que não poderiam falar sobre determinados assuntos. Aqueles que apoiassem posições adotadas pelo Estado teriam maior chance de sucesso. “Criou-se uma queda do ‘malandro’ e a ascensão do ‘trabalhador”, explica Siqueira.
Todo o otimismo, mescla de culturas raciais e identificação popular com o Estado Novo, segundo Siqueira, foram fundamentais para se criar a imagem do samba como um dos símbolos nacionais.
Mais informações: http://www.bissamblazz.org