O papel de um editor não é fácil, cabe a ele escolher entre o que vai ser publicado ou não. Para isso, não existem regras claras, cada profissional utiliza sua experiência e seu “feeling” como base para essa decisão. Tendo em vista esse panorama da editoração no Brasil e agregando a área específica das Histórias em Quadrinhos, as chamadas HQs, Cássio Yamamura desenvolve sua investigação em cima desses fatores importantes nesse processo de seleção, buscando uma leitura crítica dessas narrativas e clareando esse cenário bastante enevoado.
Como trabalho final do curso de editoração, a proposta visa encontrar um método de leitura crítica de quadrinhos, a partir do ponto de vista de uma pessoa que os selecionará para publicação em livros. Baseado em sua experiência pessoal, Cássio observou que faltavam critérios consistentes para avaliação dos títulos, tornando a escolha muitas vezes incerta e subjetiva e dificultando o papel desse profissional responsável por essa função.
O método utilizado baseou-se na leitura de diversas HQs, a busca pela percepção de uma linha editorial e uma entrevista realizada com Guilher Kroll, da Balão Editorial. Utiliza-se a definição técnica de Scott McCloud em sua obra “Desvendando os quadrinhos”, que os define como “imagens pictóricas justapostas em sequência deliberada destinada a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador”. Esse autor, um dos principais teóricos desse tipo de narrativa, é um dos defensores do papel dessas histórias como forma de literatura e arte.
Seguindo sua proposta, o estudante dividiu as publicações em fatores intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros, tratam somente sobre a HQ em si, sua eficácia no meio e suas características particulares. Já os extrínsecos tratam do contexto em que a história será publicada. Tais fatores foram cruciais para estabelecer características comuns a diversos livros já publicados e avaliados.
Nos fatores intrínsecos está o design, caracterizado como a eficácia do imagético em transmitir a mensagem desejada, que é diferente da habilidade técnica do quadrinista. E a variedade e consistência, fatores que garantem a continuidade do quadrinho na narrativa, sua sequência lógica. Como exemplo, ele cita o livro Maus, de Art Spiegelman, um clássico nesse meio no qual as personagens principais são ratos judeus. A publicação possui forte grafismo e ganhou o prêmio Pulitzer por sua história.
A questão do leitor é muito importante nessa avaliação. Fatores como a justaposição e fluxo, leitura de páginas duplas e linguagem não verbal são incluídos dentro da análise. Questões estilísticas, que alteram a intensidade da mensagem, ainda que intencionais, afetam a leitura e essa recepção. São vistas também as diversas combinações executadas entre texto e imagem, gerando efeitos diversos no contexto de toda a obra. Outro fator presente em algumas, o subaproveitamento de imagens, é uma escolha considerada ruim por Yamamura, mas que define uma característica imagética do formato. “O conteúdo não é a questão, nesses casos.”, defende o estudante. A visão editorial busca fatores que, embora ricos em termos narrativos, enfraquecem a aceitação dos leitores.
O ritmo é mais um critério, assim como os enquadramentos utilizados. Maiores, geram mais atenção e prendem o olhar, menores, geram uma leitura rápida e frenética. A página, para ele, é um metaquadrinho. Ela define para onde o quadrinho se direciona, nela está contido muito da forma que ele vai ser lido e recebido.
Os fatores extrínsecos, por sua vez, incluem a política editorial da empresa, tanto geral, utilizada para a escolha dos títulos literários, quanto a específica para escolha de HQs. Esse fator abrange tanto uma imposição rígida da instituição quanto o fato de uma editora ser formada por pessoas e essas pessoas tem necessariamente predileções e gostos. Nesse caso, inclui-se também o custo de produção da obra. Muitas editoras não tem condições de bancar a produção em larga escala de títulos com altos custos de fabricação.
Por essa razão, outras questões são o uso de cores e dimensões de página. Quanto maior o custo de produção, maior é o investimento e, portanto, maior é o risco assumido. Características contextuais como a relação com a cultura regional, a variedade e temporalidade da obra são importantes no processo de decisão. Como exemplo bem sucedido, Yamamura cita a obra Persépolis, de Marjane Satrapi, que narra a história recente do Irã através de uma mulher. Também é ressaltado a presença e influência de programas de governo nesse processo de seleção. Adquirem importância as exigências e preferências desses projetos, temas de aplicação escolar e direcionado para diferentes faixas-etárias. Um exemplo claro é o Programa Nacional da Biblioteca Escolar, que incluiu quadrinhos desde 2006. Isso determina e influi na decisão da editora, porque o governo é um potencial comprador e que garante a assiduidade e aquisição de grandes lotes.
Desde a virada de cada página, o quadrinho é mais do que apenas divertimento ou coisa de criança. É com esse olhar aprofundado que Cássio Yamamura avalia a problemática envolvida nesse processo de escolha, a partir do olhar do editor que estabelece parâmetros para executar essa tarefa. A presença dos quadrinhos no formato de livro é algo muito recente no país, o que dificulta a formação dessa cultura e prática nesse meio. Para o estudante, a maior parte do trabalho é empírica. “Só consegui enxergar esses fatores estudados ao ler diversos quadrinhos”, relata Cássio. Por isso, o repertório é fundamental para um leitor crítico ou avaliador. É importante também que esse profissional não tenha preconceitos sobre nenhum gênero ou tema. Os resultados do trabalho contribuem para o conhecimento crítico sobre essa área, que ainda tem bastante campo para ser explorado.