Como parte do ciclo de palestras promovido pelo Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (Nele), da Escola de Comunicações e Artes (ECA USP), a professora Tânia Bessone, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) ministrou o seminário Livreiros portugueses e brasileiros: relações atlânticas através dos impressos. A discussão, que aconteceu na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, girou em torno das origens das livrarias brasileiras e a presença dos livreiros portugueses nas terras tupiniquins, bem como a relação entre as duas partes.
A docente Tânia Bessone analisou as relações culturais dos livreiros brasileiros e portugueses com recorte na cidade do Rio de Janeiro no século 19. As relações de compra e venda de livros no Rio eram mediadas por portugueses viajantes. Antes mesmo da chegada da corte portuguesa, muitos livreiros da metrópole já tinham a intenção de vir ao Brasil, ou de mandar seus filhos para cá como caixeiros. O comércio de livros se tratava, portanto, de um negocio familiar.
Um bom negócio
Além disso, ao contrário do que defende a historiografia tradicional, a compra e venda de livros era um negócio lucrativo. Em seu estudo, a professora Tânia pôde evidenciar isso por meio de documentos da época, como catálogos e anúncios em jornais e em almanaques. O controle da origem da obra pode ser feito, também, pelas listagens de compra e venda e pelas relações escritas dos próprios livreiros. Havia mercado para o negócio de livros no Brasil daquela época. “Não é um comércio a se subestimar. É um comércio que tem uma tradição importante”, reforçou Bessone. Contudo, a durabilidade desse comércio não era tão elevada assim. Em média, uma livraria no Brasil durava cinco anos. A estabilidade podia ser alcançada comercialmente, caso o proprietário fosse um editor-livreiro. Ou seja, se ele possuísse outros meios além da livraria, como uma tipografia ou um jornal.
Em contraponto ao sucesso do mercado, estava o elevado índice de analfabetismo da população brasileira daquela época. Como conseguir manter as vendas, sendo que a maior parte dos brasileiros não sabe ler? “A listagem de livros era muito plural. Não eram vendidas só obras com carga intelectual, muito pelo contrário: manuais de caligrafia, folhetos, cartilhas infantis para aprender Português, gramáticas, dicionários e livros de catequização também estavam entre as obras das livrarias”, ressaltou Tânia. Aliás, o comércio não ocorria só no contexto das livrarias físicas, mas também na casa dos próprios autores, o que facilitava sua difusão.
Crise diplomática
Um dos impasses encontrados entre as relações culturais do Brasil e de Portugal aconteceu por volta de 1840. Os donos de livrarias e tipografias brasileiras tomaram a liberdade de publicar todas as obras que eles achassem que pudessem interessar aos leitores brasileiros, mas sem perguntar aos autores portugueses. Isso gerou um descontentamento dos livreiros de Portugal se opuseram frontalmente a esse comportamento.
No Brasil não era crime publicar a obra de outra pessoa sem autorização ou pagamento de direitos autorais. Enquanto em Portugal haviam leis, como o tratado de 1825, que regulamentavam isso: as propriedades portuguesas sitiadas no Brasil pertencem a Portugal. Com a livre circulação das obras em território brasileiro, e em prejuízo dos livreiros portugueses, as relações diplomáticas entre os dois países foram assoladas nesse período. Além disso, havia uma tendência antilusitana muito forte no Rio de Janeiro, devido ao aumento da migração portuguesa para cá nos anos de 1850. Com isso, o mercado de trabalho era marcado pela competição entre lusitanos e brasileiros. Assim, podemos perceber que os debates sobre as questões de autoria vêm de um período ancestral e continuam a ser atuais. “Temos direito a tudo que escrevemos e é publicado, como na internet? Pode ser que assim que o texto venha à luz, ele não nos pertença mais”, questiona a professora.