Apesar de a Fundação Casa se utilizar de medidas socioeducativas para com os adolescentes autores de atos infracionais, aspecto bastante enfatizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não significa que esse funcionamento não oprime os meninos reclusos. Há, na verdade, uma contradição interna da instituição, a qual tem um discurso pedagógico “politicamente correto”, mas que age de maneira opressora.
Foi o que concluiu a socióloga da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Bruna Gisi de Almeida. Ao entrevistar 16 adolescentes e vários funcionários da Fundação Casa, a pesquisadora notou como a vinculação do tempo de internação a uma avaliação comportamental é de certa forma, opressiva para o jovem. O Plano Individual de Atendimento, espécie de contrato entre os pais, a instituição e o interno, determina objetivos que o menor deve seguir para ser solto. Ele acaba não tendo a possibilidade de controlar as implicações de suas ações para a denifinição de si mesmo durante esse período. “Há uma tranformação da identidade desse jovem [propiciada pelo ambiente de punição], o qual participa muito pouco desse processo”, afirmou Bruna.
Não havendo um tempo definido para o jovem ficar internado em uma dessas instituições e sendo um relatório o “responsável” a avaliar constantemente os adolescentes, muitas das ações dos meninos visam somente atender às expectativas dessa entidade a fim de se verem livres mais cedo. Isso acarreta na mudança de identidade “forçada”.
Outro procedimento comum na Fundação Casa é a separação dos internos em dois grupos: os da fase inicial – ou seja, aqueles que acabaram de entrar e ainda tem um comportamento ruim - e os da progressiva – aqueles que já se comportam de maneira mais adequada aos padrões da instituição. No estágio de progressão, os garotos têm certas regalias – como usar tênis, gel e receber presentes da família – e estão mais pertos de serem soltos. Para os funcionários, esse método demonstra como o trabalho realizado por eles é eficiente. No entanto, essa situação cria ainda mais uma necessidade dos jovens de obedecer com o único objetivo de ser solto e ajuda na transformação de identidade deles.
Infraestrutura e procedimentos de segurança
Além desses providências pedagógicas punitivas, outros mecanismos “não oficiais”, como a estrutura do prédio e as medidas de segurança, são também bastante opressores e ajudam na reconstrução da identidade desses adolescentes. Bruna ressalta que a instituição admite essas práticas violentas como um “mal-necessário”. “As várias revistas pelas quais eu tive de passar e a arquitetura muito semelhante a de um presídio estavam lá para me preparar para algo perigoso”, disse a socióloga. “Isso acaba criando um ambiente de desconfiança gigantesco. Os funcionários demonizam os meninos e os próprios adolescentes não confiam um nos outros”, afirmou. Para ela, essa circunstância acaba fazendo o menor acreditar que ele é, de fato, perigoso. “Mas isso nem sempre é verdade. A maioria são só adolescentes desamparados, e não criminosos incorrigíveis”.